Cogumelos mágicos podem melhorar a vida sexual, mas é preciso ter cuidado
A associação positiva de psicodélicos à função sexual — resultado de um estudo recentemente publicado na revista "Scientific Reports" — promoveu uma chuva de comentários negativos e acusações sobre apologia às drogas. Sem informações importantes sobre metodologia, discussão dos resultados e limitações do estudo, fica difícil compreender os dados conclusivos e fácil criticar. O artigo referente a essa pesquisa está com acesso aberto e eu fiz a lição de casa.
Pesquisadores norte-americanos conduziram dois estudos para avaliar o impacto da psilocibina, um tipo de cogumelo, no funcionamento e satisfação sexual. No primeiro, 261 participantes foram acompanhados em cerimônias psicodélicas: houve melhorias em comunicação, interesse sexual, prazer sexual e satisfação com parceiros e aparência física em quatro e seis semanas. O segundo, um ensaio clínico controlado, comparou dois grupos, um com pacientes que usaram psilocibina e outro, um antidepressivo (ISRS), que piora a resposta sexual, o que pode afetar o bem-estar geral.
Os resultados indicam que os usuários de psilocibina, além de terem controlado os sintomas depressivos, apresentaram maior interesse sexual, atividade, excitação e satisfação, enquanto os tratados com ISRS relataram piora em vários domínios, incluindo ansiedade e disfunções sexuais. Os pesquisadores destacam a natureza pós-aguda dos efeitos da psilocibina, alertando para não confundir os resultados com situações de sexo com drogas ou chemsex.
Eles se apoiaram nos resultados promissores de vários outros estudos sobre a melhora da função sexual e da depressão com o uso da psilocibina.
Conheço uma porção de gente que usa os tais cogumelos mágicos de maneira recreativa. Que são funcionais, trabalham, pagam suas contas e não infringem leis nem regras de convívio. Outra porção usa cannabis, mais uma galera usa LSD, MDMA e outras em festas. Todos acabam fomentando o tráfico de drogas, é verdade, e isso precisa ser computado como responsabilidade individual e coletiva.
Não dá para comparar a vivência dos adultos, que têm consciência dos efeitos das substâncias nas suas vidas, à dos adolescentes, que estão com o cérebro em formação e, portanto, muito vulneráveis. Além disso, quem trabalha com dependentes químicos sabe muito bem o estrago que drogas psicoativas podem fazer na saúde psíquica e física, bem como todos os outros prejuízos sociais e familiares. Por isso, o debate é acalorado também na academia.
O grande desafio reside em determinar a quantidade segura de algumas dessas substâncias, evitando riscos de overdose, vulnerabilidade à violência, dependência ou o desencadeamento de surtos psicóticos. Certa vez ouvi um psiquiatra de uma universidade de Londres dizendo que o sonho dele era conseguir, com um exame simples de sangue — igual aos que se faz para diabetes — identificar quem estava mais propenso a ter surtos psicóticos com o uso de cannabis. Então, ele ia montar barracas com testes gratuitos em todos os parques e locais de shows, e dizer para os usuários: "você pode, você não". Gosto desse tipo de intervenção, que não é demagoga e usa a ciência para reduzir danos.
Um passo importante para avaliar pesquisas é ler suas limitações metodológicas: No caso dessa, um estudo avalia pessoas saudáveis usando psicodélicos recreativamente, enquanto no outro a amostra é composta por pacientes deprimidos em um ambiente clínico. Os pesquisadores recomendam cautela na interpretação dos resultados e sugerem considerar avaliações diádicas e o contexto social e cultural do uso dessas substâncias.
Além disso, apontam a importância de replicar os achados em amostras maiores e mais diversas e destacam que o suporte psicológico oferecido aos participantes pode ter influenciado os resultados positivos. Reforçam que os resultados sobre o ISRS não podem ser generalizados para outros antidepressivos e alertam para o possível impacto da retirada do antidepressivo nos resultados do estudo com psilocibina. Chamam a atenção para comportamentos sexualmente abusivos em contextos psicodélicos, enfatizando a necessidade de estratégias de precaução e prevenção. Destacam a complexidade das dinâmicas de relacionamento associadas ao uso dessas substâncias e a importância de se estabelecer padrões éticos e diretrizes profissionais para evitar abusos. Concluem destacando a necessidade de educação sobre os riscos e promoção de um ambiente seguro à medida que as políticas em torno do uso de psicodélicos evoluem.
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