Insatisfação sexual: quem não presta assistência, abre concorrência?
Recebi uma paciente com queixa de pouca libido, preocupada com as consequências no seu casamento de 8 anos. "Sabe como é: quem não dá assistência, abre concorrência", ela disse. A frase é clichê, mas tem lá seu fundo de verdade.
Dois pontos que quero ressaltar sobre o jargão antes de começar o debate: a frase independe de gênero, é para todes; e vale lembrar que muitas pessoas, mesmo as que desejam suas parcerias e tem satisfação sexual na relação, ainda sim podem querer variação. Para quem tem muito desejo sexual e para quem adora o jogo da sedução, transar com uma única parceria por muito tempo pode entediar. Ou seja, nem sempre abrir "concorrência" tem relação direta com uma "falta" no relacionamento em si, pode ser uma questão do próprio sujeito desejante.
Dito isso, esse texto é sobre os insatisfeitos sexualmente com suas parcerias. As queixas mais comuns são sobre a frequência, mas também estão na lista a falta de interesse em sexo, o não se sentir desejado(a), a falta de 'pegada', pouca habilidade, falta de acolhimento das fantasias sexuais, divergência no perfil sexual - aquela história de que há quem goste de um sexo mais genitalizado, cheio de penetração, movimentos vigorosos e quem curta um sexo mais sensorial, ou romântico, cheio de toques sutis.
Consigo pensar em mais dois problemas para quem tem essa dificuldade na relação. O primeiro é que o casamento monogâmico nos coloca diante desse 'compromisso' com as parcerias, o compromisso de interagir sexualmente. Em determinadas situações ou fases da vida, isso pode ser sentido como uma ideia completamente bizarra. As pessoas vivem momentos em que estão menos transantes, às vezes a relação conjugal está ruim, sem conexão, quem sabe alguém esteja adoecido, deprimido, cheio de problemas com filhos e familiares, quem sabe a parceria parece pouco apetitosa, sedutora ou sexy...
São muitas as justificativas para perceber-se sem priorizar o sexo. Daí o dilema fica posto: como transar com alguém sem vontade nenhuma? Não seria isso um abuso e uma violência? Por outro lado, como ficar sem sexo que, para quem gosta, é uma necessidade física e emocional?
A outra questão é de ordem prática: como conversar sobre isso e chegar a algum acordo, que seja bom para as duas pessoas? O primeiro passo, sem dúvida nenhuma, é concordar que talvez o problema esteja mesmo no formato do casamento monogâmico, que ninguém deveria ser obrigado a transar só porque, lá atrás, esteve apaixonado e decidiu se unir a alguém. O segundo é aceitar que somos um poço de necessidades e a sexual pode ser uma delas - e deixar alguém à míngua não é uma atitude amorosa, diga-se de passagem.
Temos que avaliar as possibilidades: afastados dos ressentimentos que normalmente permeiam essas relações é possível que o casal faça sexo gostoso e ative o desejo? Se a resposta é não, então o contrato não monogâmico poderia ser uma opção?
A infidelidade conjugal, motivada por queixa sexual, infelizmente é uma saída frequente para os que não conseguem encontrar uma comunicação aberta com suas parcerias sobre insatisfações e desejos. As pessoas não deveriam se sentir obrigadas a transar, essa condição desumaniza quem se submete e é uma expressão contrária ao sentimento amoroso. A conversa tem que existir para entender os pontos de cada um e achar as soluções que fazem mais sentido para ambos, não de um lado só.
Deixe seu comentário