Bebê Rena: série alerta, mas também reforça obsessão de abusadores
Bebê Rena é uma minissérie perturbadora, que aborda a temática das relações abusivas, mas traz mil questionamentos, sendo a sexualidade atravessada a todo momento.
Certamente que o fato de ser uma história real, vivida pelo ator que protagoniza a si mesmo, desperta muita curiosidade do público, além de tantas outras emoções. É impossível não ficar sensível ao drama psicológico das personagens.
Aproveito o ensejo e farei minhas reflexões em episódios, pois é impossível aprofundar tantos aspectos em um texto só. Acompanhe:
Vou começar pelo título, Bebê Rena. Esse é o apelido que a stalker dá ao protagonista, fazendo alusão a uma pelúcia que ela tem, desde a infância, o objeto que servia como apaziguamento interno nos momentos em que se sentia insegura e temerosa.
Quando ela deposita em Donny essa 'função', estabelece uma relação de simbiose emocional, alguém para sempre recorrer, como quando os bebês choram pelos desconfortos sentidos, ora a fome, ora o sono, ora o barulho, ou o frio, ou o medo.
Os bebês, quando percebem a presença do cuidador que lhes vem ajudar na satisfação, ao longo do tempo, estabelecem uma relação de segurança e plenitude nesse vínculo, criando uma ilusão de que são o centro do universo e, portanto, serão sempre acudidos.
Ao longo do desenvolvimento, as conquistas de autonomia, são acompanhadas não só de satisfação e prazer, mas também pelo receio de que algo não dê certo, e a consciência de regras e limites gera o medo de não agradar e ser abandonado.
A gente sempre carrega o nosso bebê Rena vida afora, repetindo essa lembrança: cigarros, bebidas, comidas e até o sexo, podem fazer essa função também na vida adulta, substituindo naninhas, chupetas e brinquedos.
Pessoas nem sempre são enxergadas como um tu fora do Eu e podem ser facilmente colocadas na condição de "objeto".
O fato é que se desprender do espelhamento que os outros fazem para a nossa autoimagem e autoestima é uma tarefa importante, mas difícil.
Ninguém é essa fortaleza toda, que não se importa com a atenção e a admiração alheia, que não se senta angustiado ou ansioso, que não tenha medo de ser abandonado ou não amado.
A paixão evoca esse estado e às vezes é difícil entender se estamos mais apaixonados por nós mesmos, ou pela outra pessoa, afinal é o olhar dessa pessoa que reflete o quanto podemos ser admirados e desejados pelo outro. Mas esse estado passa e precisamos nos dar conta de que não somos uma unanimidade, nem os mais maravilhosos do mundo.
Quando um par amoroso reclama de uma característica nossa, volta a ameaça de não agradar e perder o estado narcísico infantil. A tarefa do mundo adulto, nas relações, é suportar o confronto necessário com a nossa miséria emocional.
No entanto, há adultos com um perfil emocional de bebê rena. Embora a dependência emocional, o amor patológico e o ciúme patológico possam ser condições diferentes, elas são motivadas por esse estado de ansiedade extrema diante da ameaça que o outro vá embora.
Sendo deixado "à deriva", teremos que lidar com os próprios desafios da vida psíquica, que implicam na autoavaliação e na avaliação do mundo, um lugar também inóspito, diga-se de passagem, com muitas escolhas a se fazer.
Esta obsessão pelo olhar de aprovação cristaliza o indivíduo na posição do bebê faminto, carente e desprotegido. Quem sou eu sem o outro?
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Quero receberO que me parece mais desafiador, certamente, é romper esse ciclo, pois ao longo da vida precisamos também de pessoas que não estimulem essa dependência, que fomenta a nossa ilusão infantil.
Em bebê rena, essa dinâmica é claramente observada, a armadilha emocional sendo promovida, mesmo que se saiba, em algum lugar de consciência, que lá na frente tudo será apenas caos emocional.
No fim das contas, a escolha por divulgar a sua própria história para o mundo, sendo ainda o ator da própria personagem, só me sugere que o Bebê Rena continua mergulhado na sua necessidade ilusória e infantil.
Sim, a minissérie cumpre uma função social importante, por desvelar o drama psicológico envolvido nas relações abusivas, sejam físicas, psicológicas ou as duas juntas - mas, por outro lado, reforça a dinâmica emocional que o próprio protagonista tenta se desvencilhar.
Se o bebê Rena queria mesmo se afastar dos seus abusadores, já conseguiu fazer o oposto, "acordá-los", reforçando a obsessão.
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