Ana Canosa

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Opinião

Dá para ser feliz e pensar em sexo diante de uma tragédia como a do RS?

Boa parte dos brasileiros estão sensibilizados com a tragédia que assola quem vive no Rio Grande do Sul. É sem dúvida nenhuma uma situação muito triste, que exige dos acometidos resiliência sem precedentes e empatia do restante da população.

Mas como fica a vivência de prazer, quando o entorno é repleto de caos e dor?

Como psicoterapeuta, tive muitos pacientes que revelaram incômodos nesse sentido. Como postar uma foto feliz, de uma viagem, quando outros tantos estão sem casa? Como fazer publicidade para vender serviços ou produtos, quando tantas pessoas não têm o que comer? Até quando é politicamente correto prantear o sofrimento humano, a fim de passar ileso ao tribunal da boa conduta social?

Esse sentimento de culpa por experimentar prazer quando o luto se faz presente é muito intensamente observado em pessoas que perderam entes queridos. Ir a uma festa, fazer sexo, tornam-se vivências interditas, sentidas como uma traição aquele que se foi.

Mas o que as pessoas esquecem é que dor e prazer estão presentes a todo momento, caminham juntas, em paralelo, e, muitas vezes são uma contraposição fundamental para se encontrar motivação.

É possível sentir tristeza e alegria em uma mesma manhã. Não é uma questão de negar o sofrimento, mas acomodá-lo.

Acompanhei uma discussão interessante sobre o exercício da sexualidade em ambientes temporários, como comunidades de refugiados ou vítimas de catástrofes e enchentes.

Alguém argumenta que é preciso pensar na falta de privacidade e como ela pode afetar negativamente a vivência do sexo para jovens e adultos.

A enxurrada de críticas se apoiava no fato de que ninguém em sã consciência pensa em sexo em momentos aflitivos como esses - a exceção dos homens, sempre eles, os predadores sexuais. Que a prioridade é com outros elementos essenciais para a sobrevivência, como água, alimentos e segurança - o que é óbvio - e que quem está pensando nisso é tarado ou de esquerda (ai, que cansaço)

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Algumas pesquisas com pessoas que vivem abrigadas em comunidades de refugiados, revelam que a falta de privacidade é sentida como um problema extra e intrafamiliar.

Conviver sem limitação de espaços, seja com as pessoas de sua família ou de outras famílias é sem dúvida um risco de adoecimento físico, por facilitar a propagação de doenças, mas é também um fator de adoecimento mental. A privacidade certamente não é só sobre sexo, mas a engloba.

Para algumas pessoas, o prazer sexual é sem dúvida nenhuma uma fonte de energia de vida, talvez uma das poucas que restam quando tudo está arruinado ao redor. Reivindicar esse espaço não deveria ser encarado com desdém.

O que os pesquisadores que se debruçam sobre a temática sugerem é que os gestores de catástrofes escutem as pessoas afetadas, pois só ouvindo a opinião delas é possível fazer o melhor.

Enquanto isso, nós continuamos contribuindo da melhor maneira, seja resgatando, doando, rezando e vivendo. Uma das questões que essas catástrofes nos lembram é que somos todos vulneráveis, portanto dar sentido a nossa experiência é também presenciar alegria no viver.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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