Ana Canosa

Ana Canosa

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Submissão sem vergonha: fantasias também devem ter espaço no feminismo

Tenho notado um número expressivo de mulheres que se envergonham por atitudes e desejos que, à luz do comportamento sexual mais 'tradicional', reproduziriam cenários e práticas que podem ser entendidos como 'submissos' ou que colocam as mulheres de maneira objetificada pelos homens.

Gostar, por exemplo, de ser chamada de 'puta', de ficar 'de quatro' para ser 'possuída', ter cabelos puxados, receber tapas na bunda ou na cara pode parecer uma afronta aos direitos conquistados e um sinal de enfraquecimento do movimento e da própria potência pessoal.

O debate em torno das dinâmicas de dominação e submissão, especialmente no contexto das relações de gênero, é complexo e multifacetado. Ao longo da história, várias teorias têm sido propostas para explicar essas dinâmicas, algumas das quais se baseiam em pressupostos biológicos sobre as diferenças entre homens e mulheres.

Uma dessas teorias, por exemplo, sugere que os homens são predispostos a serem dominantes sobre as mulheres. Essa perspectiva aponta para diferenças de tamanho e força física, bem como níveis hormonais, como a testosterona, que são geralmente mais altos em homens e associados a comportamentos mais agressivos.

No entanto, essa visão simplista não leva em consideração a complexidade das interações entre biologia, cultura e sociedade. Enquanto fatores biológicos podem influenciar o comportamento humano, é igualmente importante reconhecer o papel significativo das normas culturais, expectativas sociais e estruturas de poder na determinação das dinâmicas de dominação e submissão.

Até porque, homens também são dominados por outros homens, utilizando-se de outros artifícios, aprendidos pelo contexto social. Ferramentas de poder são usadas por qualquer pessoa, independente do gênero ou orientação sexual.

Em nossa sociedade, as normas de gênero tradicionais frequentemente valorizam a dominação e desvalorizam a submissão. Isso pode criar um choque para as mulheres que desejam explorar sua sexualidade e expressar desejos de submissão. Algumas mulheres podem sentir vergonha ou conflito interno ao perceberem seus próprios desejos submissos, temendo que isso contradiga os princípios do feminismo ou reforce estereótipos prejudiciais sobre as mulheres.

No entanto, é fundamental reconhecer que o feminismo verdadeiramente inclusivo e empoderador busca desafiar e transcender esses estereótipos de gênero, defendendo a liberdade de escolha e a autonomia das mulheres para definir suas próprias identidades e expressar sua sexualidade de maneira autêntica e consensual.

Isso significa criar espaços seguros e solidários onde as mulheres possam explorar e afirmar seus desejos e necessidades, sem medo de julgamento ou estigma. A luta por igualdade de gênero não é apenas sobre desafiar as estruturas de poder injustas, mas também sobre reconhecer e celebrar a diversidade de experiências e identidades femininas.

Continua após a publicidade

Além disso, o jogo de poder x submissão é comum no contexto erótico e inclui outros comportamentos que provocam tensão sexual, como disciplina e controle e é totalmente possível brincar nesse contexto, independente do gênero.

Algumas pessoas, por característica de personalidade ou vivências individuais, podem gostar mais de uma posição ou outra, ou de exercer as duas, no campo sexual e ainda sim ter atitude diferente em outras situações. Uma mulher pode gostar de um papel sexual mais 'submisso' e continuar requerendo direitos iguais, respeito e escuta diante de seus parceiros homens.

Lembremo-nos que o sexo é alimentado pela fantasia, e até ela, foi influenciada pelos modelos disponíveis, por isso cenas de dominação/submissão são comuns no imaginário erótico das pessoas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes