Ana Canosa

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Opinião

Fã de confusão, ela foi do tédio com homem comprometido a amor com ladrão

Gisele tem 35 anos e tá sempre metida em alguma confusão. É do tipo de pessoa que adora transgredir regras e só se sente viva se colocar fogo no parquinho, de preferência com bastante gente junto. Centro das atenções de todas as rodas de conversa, sempre tem uma história boa e engraçada para contar.

Extrovertida e sexy, inteligente, hábil com as palavras, um camaleão ambulante que vai se esgueirando, adentrando todas os grupos, dando a cada um o que ela percebe que querem dela.

Cismou com André, dono de um bar frequentado por boa parte dos jovens da cidade pequena onde moravam. Noivo, detalhe que aguçou ainda mais a sua vontade de chamar sua atenção. Fez de tudo para se aproximar e usou todas as estratégias para seduzi-lo: olhares provocantes, conversas divertidas, pedidos de ajuda para que ele lhe ensinasse como organizar as finanças, já que ele era formado em economia.

Quando a dúvida se instalou na cabeça dele: será que ela está me dando mole? - ela se afastou um pouquinho, dando a justificativa que faltava para se fazer de boa moça: você é noivo. Nada mais "tesônico" que colocar um impedimento dessa natureza na corrente de tensão sexual já instalada. Transaram ali mesmo, naquele dia, no banheiro do bar.

Foram meses de uma paixão avassaladora, que custou uma nota, pois a noiva de André descobriu e fez uma cena de novela, quebrando dúzias de garrafas no bar do rapaz, em pleno sábado à noite, sem que pessoa alguma a pudesse conter nos primeiros 5 minutos de surto, a raiva descontrolada. Gisele teve sorte, pois estava no banheiro quando ela chegou e conseguiu sair pela porta dos fundos, atravessando a cozinha. Deu polícia, gente no pronto socorro, o tumulto saiu até no noticiário local.

Caminho livre, André e Gisele começaram a namorar. Mas André era super ciumento e não podia ver Gisele conversar com nenhum homem da cidade, muitos dos quais ela já havia tido um lance.

Cada briga deles acabava em sexo, o esporte preferido dela. De um lado, André se sentia confuso e inseguro, pois ao mesmo tempo que sentia medo de perdê-la, por outro, pensar nisso o excitava. A ambivalência de Gisele estava no fato de se sentir presa, ao mesmo tempo que adorava pensar que André passava parte do tempo pensando nela e a colocava como ponto central da sua vida.

Quando creditamos a insegurança só no ciumento, esquecemos que a parceria pode ser tão insegura quanto e que o ciúme, embora venha como uma reclamação, no fundo funciona também como um "gozo", a ideia de que se é indispensável, insubstituível e necessário na vida da outra pessoa. Para piorar, o fato deles terem começado o relacionamento quando André estava noivo de outra pessoa - reforça que o desejo dos envolvidos é tão voraz que é capaz de ultrapassar qualquer linha - portanto como confiar que não iria acontecer de novo?

Gisele e André chegaram a se casar e a mudar de cidade, a fim de recomeçar em um novo local. Dessa vez ele abriu uma lanchonete delivery e Gisele foi trabalhar com ele. A vida ficou sem graça, o trabalho com meia dúzia das mesmas pessoas, a portas fechadas, foi deixando Gisele entediada. André também passou a ter menos interesse por ela.

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Foi quando apareceu por lá, respondendo a vaga de emprego como entregador, um antigo amigo dela de escola, vejam vocês. Conversa vai, conversa vem, a ativação das memórias, os apelidos da adolescência formando um laço de intimidade, que foi dando à Gisele um lugar de suposta importância na vida do rapaz.

Aproveitaram um dia que André não estava na lanchonete e se atracaram no banheiro. Minutos depois do êxtase, enquanto ela se recompunha, eis que o rapaz busca a mochila, saca uma arma e rouba tudo o que foi possível encontrar: o dinheiro do caixa e da carteira dos trabalhadores - inclusive de Gisele - os celulares - inclusive o de Gisele - alianças e cordões de ouro - inclusive os de Gisele. Dá um beijo na boca dela, na frente dos presentes, agradece e vai embora.

Agora ela passa os dias suspirando, esperando o dia que o motoqueiro volte, gritando aos quatro ventos a falta que ela faz em sua vida. Não queria ser estraga prazeres, mas indago se essa fantasia não funciona mais como uma defesa para o seu ego fragilizado, pela primeira vez em que se deparou com alguém que dá mais importância a si mesmo, do que a ela.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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