Ana Canosa

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Opinião

Após 45 anos, levei educação sexual para colégio de freiras que me reprimiu

Eu voto na mesma escola que estudei da infância até a adolescência. Uma escola particular, de freiras franciscanas, em um bairro de classe média na cidade de SP.

Quis o destino que, recentemente, a escola me chamasse para trabalhar sexualidade e afetividade com os alunos e alunas do ensino médio, sem nem saber que eu era ex-aluna.

Tenho lindas memórias do meu período escolar. Gostava particularmente das Olimpíadas esportivas, dos campeonatos entre escolas da região, das exposições de ciências e das festas juninas. Minhas amigas moravam todas no entorno da escola, então, desde que fiquei mais independente um pouco, a gente passava as tardes brincando ou fazendo lição, umas nas casas das outras, ou na pracinha do bairro.

Mas há 45 anos atrás, não se falava de sexo para adolescentes. Havia muita restrição na conduta, na vestimenta, namorar na escola, nem pensar. Um dia combinamos de todas as meninas irem para a aula de minissaia, num protesto feminista adolescente, que deixou a escola em polvorosa e a direção sem saber se barrava a nossa entrada ou não.

Para ver como foi marcante, me lembro até hoje da minissaia que eu escolhi, uma lilás de tecido emborrachado, de uma marca de roupas de acessórios de surf.

Saí da escola no ensino médio, cansada da diretora supercastradora, que nitidamente não dava conta da natureza da energia sexual dos adolescentes e que pegava no meu pé.

Quando o convite para trabalhar nessa escola veio, eu fui invadida por sentimentos tão bons, que mesmo tendo que apertar uma agenda caótica, não pensei em recusar.

Era a possibilidade de retornar à escola, contribuindo com meu conhecimento movida pela gratidão da educação que recebi e experiências positivas de crescimento e partilha.

Mas era também o prazer de mostrar que - mesmo em contextos religiosos - é possível acolher a sexualidade de crianças e jovens - já que ela faz parte da vida - e fazer uma educação sexual baseada na ciência, na realidade vivida por alunos e alunas e em valores apoiados nos direitos humanos.

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Em dois anos de experiência com os adolescentes, falamos sobre tudo, desde os conceitos mais básicos sobre aparelho reprodutor, passando por práticas sexuais, prazer, discussões sobre amor, amizade, consentimento, respeito, orientação sexual, escolhas, medos, vergonhas, entre tantos outros temas.

O sucesso do trabalho, que transcorre sem grandes problemas com os próprios adolescentes ou suas famílias, decorre da confiança estabelecida entre mim e a coordenação e direção da escola. Tenho uma profunda admiração e carinho pela irmã que dirige a instituição, que ama crianças e jovens, um ombro amigo a quem eles recorrem.

Ela sabe de todas os enroscos amorosos, os conflitos que palpitam nos seus corações e os respeita sobremaneira. Mesmo sendo religiosa e manifestando a sua sexualidade de uma maneira diferente, sabe respeitar escolhas diferentes das suas e entende que a escola precisa ter abertura para o tema.

E eis que no domingo, na porta da sala da minha seção eleitoral, estava lá um jovem rapaz trabalhando. Identifiquei logo a carinha conhecida. Ele me perguntou você não é a sexóloga que me deu aula ano passado? Eu mesma, respondi sorridente. Ah, inesquecível - ele me disse.

Na saída, ele me abraçou, me deu um beijo no rosto e eu disse: Se praticar, com prazer e responsabilidade, heim?! Podexá, ele me respondeu sorrindo, de maneira cúmplice.

Nada foi tão mais emblemático para mim, do que esse momento em plena eleição. Uma educação emancipatória, algo fundamental para que se desenvolva a liberdade de escolha e a vivência em comunidade, precisa conceber divergências e saber proteger os valores que são realmente prioritários.

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Enquanto uma freira, me fez querer ir embora, lá atrás, a outra me fez querer voltar.

Que bonita pode ser a vida, quando a educação está a serviço do educando e não daquele que impõe crenças próprias, de maneira autoritária sobre todas as outras pessoas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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