Ana Canosa

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Opinião

Transando com o inimigo: dá para ficar com alguém politicamente diferente?

Dá para fazer sexo ou ter conexão emocional com alguém politicamente diferente? Ter prazer sexual sim, conexão emocional eu tenho cá minhas dúvidas.

Um levantamento conduzido pelo app de relacionamento Happn durante o mês de setembro no Brasil, com aproximadamente mil usuários revelou que "mesmo com 52% dos eleitores de direita afirmando preferir curtir perfis com a mesma ideologia, 60% dos eleitores de direita e 57% dos eleitores de esquerda afirmaram estar abertos a ter relações sexuais com alguém que tenha uma visão política diferente, mostrando que a política não interfere em suas decisões sexuais".

Se pensarmos que decisões sexuais têm mais relação com atração sexual, capacidade de sedução, erotismo e habilidades sexuais, pouco parece importar se uma pessoa é de direita, centro ou esquerda.

No entanto, os dados da pesquisa mostram que pouco menos da metade da amostra está disposta a se engajar sexualmente com alguém de visão política oposta e eu vislumbro duas hipóteses que podem explicar o fenômeno.

A primeira tem relação com valores que refletem posturas políticas de esquerda ou direita. Muitas pessoas levam para essa seara uma indisponibilidade de convívio com outras que não defendem as mesmas pautas, como se estivessem traindo as próprias convicções.

No campo da sexualidade isso fica ainda mais forte porque propostas políticas tradicionalmente de direita acabam apoiando o patriarcado, a misoginia, o machismo e a exclusão da diversidade sexual.

Então, para quem luta contra ideias que reverberam situação de dominação, fica difícil entrar em contato com um corpo que carrega o registro da validação de desigualdades históricas. O corpo é e sempre será político. Sendo assim, o tesão já estaria comprometido, pois a representação do corpo chega antes da pessoa que o habita.

A segunda tem relação com as pessoas que precisam de conexão emocional e uma certa intimidade como motores para a disponibilidade sexual ou que desejam, a partir do sexo, um estreitamento de laços.

Entende-se como conexão emocional um campo que se abre para a exploração dos afetos, do bem querer, mas que passa também pela manifestação dos desejos, dos sentimentos e dos pensamentos. Sendo assim, para quem precisa que o tesão esteja atrelado a uma certa admiração intelectual, faz sentido que a posição política seja, de antemão, uma condição necessária para a escolha de alguém — portanto o sexo por puro prazer não estaria contemplado somente pela combustão física.

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Mas nessa perspectiva, achei os entrevistados do Happn contraditórios e românticos demais. "No que diz respeito a relacionamentos sérios e de longo prazo, mesmo em um cenário político polarizado, 64% dos eleitores de direita e 81% dos eleitores de esquerda disseram que estariam abertos a namorar alguém com visões políticas opostas." Tipo "o amor supera tudo".

Para mim, esses índices teriam que estar acompanhados de uma verdadeira disponibilidade para lidar com as diferenças — e, convenhamos, não é o mais comum.

Como conviver com alguém com opiniões tão divergentes, principalmente no que se refere a valores e costumes? Para que se crie intimidade emocional, é necessário espaço de liberdade e empatia para troca de ideias garantindo aos envolvidos a sua possibilidade de existir.

Não há conexão genuína que se estabeleça com barreiras pré-existentes formadas por crenças inflexíveis. Então, acho que é perfeitamente possível conviver com quem me provoque reflexões pela contrariedade, mas que se permita também provocar. A relação nesse sentido tem que ser um convite e não uma imposição de como se deve levar a vida. Nenhum amor supera o apagamento pessoal.

Penso que não é tanto a opinião de direita, esquerda ou centro e suas variações que interferem na conexão emocional, mas o quanto as pessoas são abertas para que o diálogo exista e ela verdadeiramente possa acontecer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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