Descolonize o olhar: o que você chama de sustentável, periferia sempre fez
Chegamos a um momento do mundo em que pensar sustentável é a única forma de endereçarmos uma sociedade saudável, seja no curto, médio ou longo prazo. A sustentabilidade tem como objetivo preservar o planeta ao mesmo tempo que atende às necessidades de quem já vive nele, sem deixar de cuidar do futuro dos que aqui estarão.
Sustentabilidade está em tudo e todos que pensam o "novo". O novo consumo, a nova moda, as novas formas de se alimentar, os novos comportamentos, as novas relações... tudo!
Mas será que o "novo" é tão novo assim ou o "novo" é novo para algumas pessoas?
Eu sou uma mulher preta que cresceu na periferia de São Paulo. Foi lá que tive casa, estrutura, família, conhecimentos e as melhores experiências de vida até hoje. Logo, meu bairro sempre foi o meu centro, e o que se convenciona como "centro" sempre foi periférico pra mim, lugares distantes. E lá no meu centro, ou melhor, no meu bairro e em muitas periferias que conheço, ser sustentável não é novo, é cotidiano.
A periferia pensa sustentável desde as raízes de sua criação. Observando a real história do Brasil, não apenas aquela que a gente aprende errado na escola, afirmo que a sustentabilidade foi uma das forças que mantiveram a periferia viva. Por isso, ser sustentável é pratica de quem vive nestes territórios.
Nas relações familiares, na educação de mães para filhas, nas trocas entre amigos há um ensinamento oral e cotidiano, além de um desenvolvimento empírico das práticas sustentáveis. O uso máximo dos recursos oferecidos pela natureza, fazer a mão o que se come e o que se veste, o plantar dos seus próprios alimentos, as trocas de serviços entre pessoas, as compras comunitárias, a economia de água e energia, os bazares e tantas outras práticas muito festejadas pelos "especialistas de hoje" estão presentes em tantos bairros por aí.
Seja por necessidade ou por estilo de vida, há um conhecimento sustentável periférico sendo desenvolvido e aprimorado há tempos.
É de longa data também que a periferia é ambiente de pesquisa, de conhecimento e definidor de tendências na moda e de comportamentos de vida. Mas quem se embebeda dos conhecimentos periféricos tem uma tendência de ressignificar termos e de não dar crédito aos sábios que os ensinaram, uma postura bastante colonizadora.
Em minha caminhada pessoal e profissional, percebi práticas das periferias do Brasil e do mundo sendo encapadas com outros nomes: moda brechó, upcycling, evento de troca, armário coletivo, horta doméstica, entre outras, sendo absorvidos, colocados e vendidos como novos! Então, refaço a pergunta: novo pra quem? Ou será que novo é só o nome?
É preciso esforço para descentralizar e descolonizar nossos olhares. E, como saída do que está posto, do que vem sendo erroneamente divulgado com tanta força como grandes descobertas e inovações, acredito que é preciso cada vez mais contarmos às periferias que suas expertises cotidianas e ancestrais estão ganhando um novo nome, assim como precisa ser dito aos grandes "centros" que o que chamam de novo é prática em lugares não tão distantes assim.
Já é possível há muito tempo ver nas periferias do mundo, upcyclings supercriativos, as maiores feiras de trocas, grandes brechós, quem vive com belos armários-cápsula, fazedoras de moda de reuso habilidosíssimas, aproveitamento total de alimentos em receitas inovadoras.
Chegou a hora de a gente olhar as regiões periféricas como centros que são. Centro de conhecimento, de ensinamento, de "novas" práticas, de consumo consciente, de inteligência e tecnologia. Mas desta vez, com um olhar justo, honesto e de equidade. Um olhar que valorize os saberes destes territórios e das pessoas que vivem neles.
E se já entendemos que pensar sustentável é a única forma de prosperar enquanto sociedade, e se a periferia existe desta forma desde a sua origem, vamos "ouvir os mais velhos" e também os jovens que lá estão. A periferia precisa fazer parte dessa história como protagonista que é.
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