Como você escolhe a forma como vai impactar o seu entorno?
Eu e muitas mulheres somos filhas de mães e pais ativistas. Meu avô lutou diretamente contra a ditadura militar nos anos 60, foi preso político e líder do bairro. Meus pais me criaram nas rodas de conversa dos movimentos negros, nas discussões antirracistas e nos trabalhos sociais nos territórios do meu entorno para ampliar o acesso e a consciência racial e social na nossa comunidade.
É sempre importante a gente pluralizar a experiência de mulheres negras, fugir do "perigo da história única" tão bem apontado pela escritora Chimamanda Ngozi Adichie, em uma das palestras mais assistidas na internet, em que ela alerta para os riscos de "pegar toda a complexidade de uma pessoa e de seu contexto e reduzi-los a um só aspecto".
Nem todas as mulheres negras "se descobriram negras" ao longo da sua caminhada, como costumamos ouvir. Algumas sempre se souberam negras. Nem todas descobriram seus ativismos nos estudos da faculdade, nem todas passaram pela transição capilar, nem todas tiveram um contato tardio com a moda, a cultura e a arte negras.
Muitas famílias negras das décadas de 30 e 40 já empoderavam a si mesmas, construíam atividades sociais, encontros, aprendizados coletivos e movimentações políticas. Essas famílias cresceram, tiveram filhos e netos. Eu sou uma dessas netas.
Sempre usei roupas afro-brasileiras, sempre andei com o broche do movimento social "Black is beautiful", cabelos garfados ou trançados e levava para a escola referências positivas do povo preto do Brasil e do mundo.
Se afirmamos que "nossos passos vêm de longe", é preciso reconhecer que a luta contra o racismo, o fascismo, o machismo e a busca por um país mais justo foi a luta dos pais, avós e bisavós de muitas famílias pretas, principalmente as escuras e as afrocentradas.
Por conta dessas experiências, ativismo e afeto sempre andaram lado a lado na minha trajetória. Aquelas mulheres que tinham falas enérgicas e imponentes eram as mesmas que me abraçavam e acariciavam minhas trancinhas. A minha mãe que gritava pelas ruas até ficar sem voz "Viva o povo preto!" era a mesma que cuidava de mim e me preparava cheia de lacinhos para estar ao lado dela nas atividades da militância.
Eu (ainda bem!) não tive a chance de construir o estereótipo errôneo e racista de mulheres pretas militantes raivosas e agressivas. Eu vivi e absorvi não apenas a "força", mas o afeto dessas mulheres. E, fica a reflexão: o afeto não é também uma força?
Afeto é também a capacidade de afetar o outro. É a inteligência de atingir e transformar com a força de diálogos honestos e inclusivos, é a expertise de conquistar tempo de fala e principalmente possibilidades de escutas. É de fazer pontes que levam os seus e seus propósitos para novos lugares.
Mas se engana quem acha que afeto é necessariamente passivo e subalterno. Não é! Afeto é político e as experiências de afetos e força são várias pelo mundo: Conceição Evaristo, Lázaro Ramos, Chimamanda Ngozi Adichie, Martin Luther King, Nelson Mandela. São líderes mundialmente reconhecidos pela sua capacidade de transformar com discursos altamente questionadores e com a força de quem tem afeto.
Eu diria que o afeto (também) funciona!
O mais importante é a gente gerar a sensibilidade para ver a existência de pessoas negras como plurais e únicas. Essa é uma ação antirracista e de humanização dos seres negros e de quebra do estereótipo. Um reconhecimento das muitas formas de ser e estar no mundo. Cada indivíduo vai usar as ferramentas que herdaram, ganharam e conquistaram na vida. E já é sabido: algumas pessoas vão destruir muros, outras vão construir pontes. Não cabe hierarquizar! As duas ações são igualmente potentes, necessárias. Mais importante ainda é a consciência de que o que ambas querem é um mundo melhor, mais equânime e justo.
Eu escolhi o ativismo afetivo porque fui moldada assim, porque sou herdeira dessas ações e principalmente porque é a forma com a qual me sinto mais forte. E tá tudo bem! E você? Como faz a sua militância?
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