Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A roupa que você veste ajuda ou atrapalha na luta por um mundo mais justo?
Imagino que a maioria de vocês, que me acompanha por aqui, me conhece pelo conteúdo que produzo na internet e na televisão. Além da presença nesses espaços, sou também sócia do Ateliê Xongani há mais de dez anos. Durante todo esse tempo, foram muitos aprendizados, "reaprendizados" e "desaprendizados". Sim, isso mesmo, desaprender coisas.
Descobri, por exemplo, que o mercado da moda é um dos mais poluentes do mundo, que ostenta o posto de uma das indústrias mais predatórias para a saúde ambiental, animal e humana do planeta. É simples: para fazer roupa, a gente precisa de recursos naturais. E, antes da roupa, cabe dizer que utilizamos recursos naturais para fabricar linhas, tecidos, tintas de tingimento e muitos outros insumos da confecção.
Há também os "recursos humanos", as mãos que costuram e constroem as peças, um dos trabalhos mais negligenciados do mundo. Você já deve ter lido alguma notícia sobre as várias denúncias contra grandes marcas de moda, que submeteram costureiras ao trabalho "análogo à escravidão" em pleno século 21.
O ponto é: você já parou para pensar que a gente já tem muita roupa pronta no mundo? E que, por isso, a gente pode começar a exercitar um consumo mais consciente? Questões como: o que será que vale mais a pena: uma roupa feita para durar pouco tempo ou muito tempo?
Particularmente, acredito que compensa mais comprar uma roupa que vai durar uma vida inteira, ainda que ela não fique comigo para sempre, do que comprar uma roupa que vai resistir por apenas uma estação e ser descartada na sequência. É que roupa descartada vira resíduo, vira lixo no mundo.
Em boa parte dos casos, roupas descartáveis são muito mais baratas ou vendidas em condições superfacilitadas. E isso não acontece aleatoriamente. Só é possível praticar preços tão baixos quando algum processo está sendo negligenciado. E, geralmente, o ponto mais dolorido está mão-de-obra, que capta pessoas socialmente vulneráveis, sobretudo as mulheres negras e indígenas.
Somos estimuladas a todo momento a renovar o guarda-roupa, trocar uma pecinha por outra. Mas eu, Ana Paula Xongani, depois de tomar consciência de que a moda tem impacto social, político e ambiental, optei por mudar as minhas escolhas na hora de comprar roupa. Hoje, prefiro itens de pequenos produtores e brechós.
É claro a ruptura total com hábitos cristalizados durante uma vida toda é complexa. Envolve, inclusive, ter acesso às alternativas — e não estou falando apenas de dinheiro aqui, porque algumas podem ser mais baratas que a moda vendida em parcelas infinitas. Falo, basicamente, do acesso à informação de que existem alternativas e de que elas são possíveis.
Uma roupa de brechó, principalmente os que tem garimpo vintage, são relíquias que, se duraram tanto tempo a ponto de estarem nesse brechó, certamente terão um vida útil longa. Significa que os materiais são bons e resistentes a preços compatíveis com o que é de segunda mão. De quebra, ainda carrega uma história de moda muito profunda.
Já quando compramos de pequenos produtores, por sua vez, temos contato com a história e as características da roupa de forma transparente. Às vezes, há oportunidade até de dialogar com esse criador, saber qual material utilizou, como foi o processo de desenvolvimento, entre outras questões que podem se tornar fatores decisivos de compras.
Por último, algo fundamental é: não tem problema repetir roupa, tampouco é deselegante. Dá para trabalhar a criatividade em looks incríveis combinando peças entre si, fazendo escolhas nada óbvias. Eu repito muito! Acredito que problema mesmo é reproduzir um modelo de consumo desenfreado na moda, com impactos na vida de um monte de gente no mundo todo.
Quando uma roupa dura bastante no armário, é sinal de que você faz boas escolhas. Significa que você promove a ideia de moda justa. Significa que você não só deseja, mas atua diretamente na construção de um mundo melhor para um montão de gente!
Qual história conta a roupa que você veste? Você já parou para pensar nisso?
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