Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Intersexo, gorda e preta: por que a moda não está preparada para Bielo
Hoje eu quero usar o espaço da minha coluna para falar da Bielo. Sim, assim, sem mais delongas. Quero falar da Bielo porque ela é um fenômeno da moda e a gente precisa ter não apenas um olhar, mas um registro sobre isso.
Tá, Xongani! Mas, por que a Bielo é um fenômeno da moda?
Primeiro, porque que a existência e a corporalidade dela impõem vários desafios à moda ou à forma como a moda se comporta e se estrutura historicamente. Bielo é intersexo, gorda e preta. Ou, como ela diz: "Minha imagem é um ato revolucionário".
E essa revolução toda, sem dúvida alguma, passa pela moda. Bielo tem na moda uma de suas maiores expressões. Ela é uma pessoa politizada, produz conteúdo sobre política, sobre sua existência no mundo, tudo sempre abarcado, amparado e protegido pelo discurso estético. A partir desse lugar, ela não se veste "apenas". Bielo tem uma narrativa. Ela constrói uma história a partir do que veste.
Em conversas que já tive com ela a respeito disso, aprendi que suas referências vêm de lugares que muitas vezes negam a presença de pessoas e corpos como o dela, por exemplo o red carpet, o famoso "tapete vermelho" de grandes eventos do entretenimento global. A partir daí, ela faz do seu dia-a-dia e do seu trabalho um grande evento.
Vamos parar para pensar. Sempre que temos que estar em um evento importante, uma ocasião especial, dá aquele frio na barriga, aquela preocupação de como vamos nos vestir. Agora, redimensione tudo isso para uma pessoa que não encontra com tranquilidade peças de roupa que expressem o que ela deseja expressar.
As ausências da moda para um corpo como o dela, em razão do preconceito gordofóbico, fazem de Bielo -- sim, por que não -- uma produtora de moda. Ela faz moda, ela produz moda para si mesma.
No dia a dia, em seu íntimo ou com sua equipe ou com os eventos e atividades que participa e realiza, ela interfere no processo criativo, gosta de sugerir coisas, de sugerir tecidos. Gosta de criar o mood board, ou aprovar antes. Para ela, é fundamental participar do processo para cuidar que a narrativa dela esteja impressa no que as pessoas vão assisti-la vestindo.
Bielo me inspira muito porque ela tem uma parada que admiro demais: o domínio do vestir mesmo. Aquela pessoa que entende perfeitamente a moda como arte, como expressão concreta e também subjetiva. Admiro pessoas assim como artistas e também como pessoas bastante apropriadas de si, no sentido do autoconhecimento. Sem autoconhecimento, a gente não chega num lugar de expressão precisa a partir da estética.
E quando a gente chega nesse lugar, a gente se transforma numa "auto-produtora" de moda, combinando essa habilidade com todas as outras coisas que a gente faz e isso demanda uma pesquisa muito grande. Demanda que a gente praticamente tenha que conhecer uma nova área de atuação. Confeccionar coisas pra gente mesma é praticamente a mesma lógica dos criativos de grandes marcas, é pensar coleções inteiras. Uma arte mesmo.
Bielo gosta de ser vista, Bielo gosta de conversar sobre o assunto, Bielo gosta de fazer com que as coisas que ela usa sejam o ponto de partida para um diálogo, que é uma ação, um movimento que me interessa muito.
Então, eu convido vocês a observarem e acompanharem o que Bielo produz, o enorme potencial que existe no discurso estético dela.
E, Bielo, querida! Caso você chegue neste texto aqui, quero te dizer o seguinte: a moda não está preparada para você! É você quem está preparando a moda para ser mais inclusiva, potente, expressiva e tudo o que a moda é capaz de ser.
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