Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O que é brasilidade para você? A DJ Tamy responde
Que música e moda sempre andaram juntas a gente já sabe. No entanto, graças a muitas movimentações, fortalecimento de narrativas diversas, possibilidades, ativismo, essa conjuntura toda faz com que a gente tenha novas grandes lideranças, inspirações e referências nos dois universos —e na intersecção entre eles, música e moda. Principalmente de mulheres. E uma destas referências para mim é a DJ Tamy.
Ela é DJ há muitos anos e vem ganhando uma enorme notoriedade no cenário musical, o que é massa demais porque né? Mulher e preta.
DJ Tamy poderia ficar apenas atrás das pick ups e eu já a admiraria demais por isso, mas é claro que tem uma parada que ela faz que brilha meus olhos -e meu coração. Além da música, ela faz de seu "vestir" um grande evento: cabelos, roupas, maquiagem, unhas. Cada detalhe das suas escolhas faz com que a música e a moda sejam lugares muito confortáveis para ela. Esse existir fluido, potente e que comunica demais, habitando o corpo que habita, no tempo-espaço que a gente vive, me deixa feliz e admirada sim.
Eu venho acompanhando ela há algum tempo, tanto nas playlists que organiza, músicas autorais, e também como na referência de moda. Quando a vejo pessoalmente, o nível de cuidado com cada detalhe dos elementos estéticos me chama demais a atenção. E como ela combina tudo isso com o universo musical com seu colar de fone de ouvido, brincos de microfone, tudo com muito estilo.
Um dos meus maiores impactos em relação às escolhas de DJ Tamy foi no último Baile da Vogue, um dos principais eventos de moda do Brasil e que ela foi pela primeira vez este ano. O baile sempre tem um "tema" e o deste ano foi "Brasilidade Fantástica". Na minha opinião, ela, por si e com tudo o que entrega pro mundo com a música, já seria um exemplo de brasilidade. Cultura hip-hop, cultura negra, periferia. Tá tudo lá.
Mas, claro, sendo o Baile da Vogue, ela foi mais. Traduziu isso brilhantemente na belíssima roupa que escolheu atravessar o tapete vermelho e curtir a festa. "Fiquei bem feliz de ter estado no Baile da Vogue. Nunca tinha ido e sei da importância do baile para o mundo da moda e do entretenimento. Estava nervosa, inclusive com a roupa, porque foi em cima da hora. No final deu tudo certo. Me senti bem, me senti feliz, me senti bonita. E, claro, achei ótimo estar ali porque é meu lugar também, sabe?"
A roupa foi criada por um jovem designer estilista, amigo dela e que ela fez questão que assinasse o look, que levou ao Baile as fitas do Senhor do Bonfim, celebrando o nordeste e a fé, a fé dos nossos. Eu sempre li essas fitinhas do Bonfim como uma espécie de lugar de união. A gente tem uma diversidade imensa de fés e religiões, mas geral se encontra nessa fitinha no braço, amarrada na bolsa, na perna. Além disso, as cores expressam muito o mood da DJ Tamy, alegre, pra cima.
Ela me contou que o designer é o João Lopez, estilista de 25 anos, preto e gay, entrando no mercado agora, com a cabeça borbulhando de ideias lindas. "Eu não brifei ele, ele veio pensando através do briefing que a própria "Vogue" propôs com o conceito de "brasilidade fantástica". Aí ele criou todo o contexto do look, a partir da compreensão do que significa a brasilidade fantástica vestindo uma pessoa preta."
Não sabe quem é João Lopez? Pois agora, vai ficar sabendo porque é claro que fui conversar com ele também. "Quando pensei em montar um look de Brasilidade Fantástica, tinha que ser algo que conversasse com a personalidade da DJ Tamy. E quando penso nela penso de forma simultânea nela e no Brasil, penso em cores. O Brasil é colorido como ela. Logo pensei nas fitas do Senhor do Bonfim que são carregadas de desejos de luz e alegria. Todas as pessoas que fazem pedidos para o Senhor do Bonfim estão desejando algo positivo. O look é completamente brasileiro. A coroa e acessórios foram feitos pelo Varal da Val, artesã de Santa Tereza. As fitas foram compradas por mim no Mercadão de Madureira e costuradas no mesmo bairro pela Lu, da Nkenge. Eu vi o tema do baile como uma forma de homenagear a pluralidade cultural do nosso país". Acertou demais! Corre aqui no perfil dele no Instagram.
Aí, tinha também a coroa, fazendo dessa mulher preta uma rainha, a rainha da brasilidade, que é o lugar que ela e as mulheres pretas como ela merecem. "Fiquei muito feliz com a proposta do João, porque no final de tudo eu achei que o look tinha muito a ver comigo. Aquela saia rodadinha muito num estilo que eu já me identifico, as cores. Eu sou uma pessoa colorida, ficou muito a minha cara, minha identidade. Pensar nas fitinhas do Senhor do Bonfim, que é um marco histórico que tem a ver com Bahia, onde se encontra a maioria da população preta do Brasil, onde chegaram muitos dos pretos que foram escravizados, sendo eu uma mulher preta? é uma roupa que carrega tudo isso, essa história. Vestir aquela coroa com as fitinhas também, me senti muito rainha e recebi vários elogios. Amei", completou.
Do que acompanhei do Baile da Vogue, é da DJ Tamy o look mais bonito da noite, que melhor traduziu o conceito da festa, tão deturpado pelo uso de estilistas estrangeiros em looks prontos que nada dialogam com a riqueza e pluralidade que produzimos de moda por aqui. De maneira criativa, simples, muito assertiva, elegante, poderosa e potente, registrou a sua passagem por lá e representou tantas pessoas, e o mais legal de tudo, tantas pessoas como eu.
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