5 marcas de moda para você conhecer o Maranhão além da novela 'Travessia'

Temos aí duas semanas de "Travessia", "novela nova" no ar. E a cada episódio que traz as belezas e cores do Maranhão, me bate o quê? Saudade! Porque eu fui para o Maranhão e me apaixonei demais. Lugar de pessoas acolhedoras, encontros maravilhosos e pessoas muito orgulhosas de suas produções culturais. Cultura esta, inclusive, belamente representada pela moda negra que conheci neste território.

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Estive em São Luís, capital, a convite da minha amiga Thaynara OG, para as festas de São João, uma oportunidade única de encontrar uma cidade em festa. Claro que eu sabia que seria encantada e, por isso mesmo, antes de sair de casa, em São Paulo, encomendei um tour de Moda pela cidade, uma parceria entre o Guia Negro e e pessoal do Instituto Da Cor ao Caso. Fiquei, aliás, muito orgulhosa porque foi tão espetacular o passeio que a ideia entrou para o circuito de passeios oferecidos na programação de afroturismo do instituto :)

Bora lá?

Moda do João

Comecei a tour pela Moda do João, liderada por este multiartista, que teve contato com várias expressões artísticas nos vários projetos culturais que acontecem no estado. Aprendeu moda, teatro e dança e escolheu a moda como seu lugar para ampliar as coisas que tinha a dizer. Trabalha com viscose, uma moda "fresca", que tem a ver com o clima da capital maranhense. Em nossa conversa, mencionou como referência as camisas estampadas dos seus tios, que ele trouxe para a contemporaneidade, para o que ele quer comunicar. João aprendeu a costurar de forma autodidata, vendo a madrinha costurar e isso é muito bonito.

Hoje, ele costura, faz próprias peças e é, sem dúvida, uma das grandes referências de moda maranhense. Onde quer que você pergunte sobre moda, as pessoas perguntam se você conhece A Moda do João. No São João da Thay, ele assinou diversos looks, além de já ter feito várias collabs importantes, como com a marca infantil Fábula, com estamparia e design muito bonitos, que obviamente comprei para minha pequena potência, a Ayo.

João é fala com muito orgulho de sua pequena grande equipe, formada por ele, uma costureira, uma pessoa de redes sociais e uma de audiovisual. Ele é a expressão desse ambiente autodidata bastante comum na moda não hegemônica. Nas peças, os tecidos e as composições de cores localizam a gente no Maranhão e voltar com uma peça dele é voltar com um pedaço da moda que acontece por lá.

DSLNH

Depois, fui até a Desalinho, do Marcos Ferreira Gomes, que também surge a partir dos projetos culturais do estado. Entendi que muitos designers, que hoje cuidam de seus olhares específicos sobre a moda local, foram formados por essa efervescência artística. Antes, ele trabalhava com esculturas e artes visuais e é muito interessante pensar como essa expertise se transforma em moda. Criou um coletivo de artistas, desse coletivo, surgiu o Desalinho, que tem como principal inspiração os amigues trans, travestis e não binaries. Faz uma moda pensando naquilo que o mercado não atende para estas pessoas. Tem peças autorais, de coleção, exclusivas e usa várias técnicas, como sublimação, crochê, tricô. É um cara multitalentoso, até o manequim que tem no ateliê é feito por ele mesmo em papel marchê, o grande mascote da sua linha.

Também aprendeu a costurar com uma mais velha, sua avó, que costurava para família e, como ele mesmo define, era uma mulher de linho dos pés à cabeça. Isso me gerou a curiosidade de saber se o nome, Desalinho, tinha a ver com a sua avó. Marcos afirmou não ter pensado nisso até nossa conversa, mas acredito que algumas respostas é a ancestralidade que dá. Chegar até a máquina de costura da avó representava uma resistência à homofobia e uma busca para que ele pudesse, a partir da moda, se encontrar e expressar as coisas que ele acreditava e as pessoas que queria contemplar a partir de suas criações. A marca nasce como uma transgressão, que tem a capacidade de olhar para os grupos pouco representados por ela. Isso faz com que a Desalinho tenha, para além de uma presença estética muito poderosa, com aquele ruído harmônico, é uma moda que te provoca, com a função social de tornar mais pessoas visíveis.

Kolobô

O ateliê do Thiago e do Luís fica no fervo de São Luís, no Centro Histórico, maior concentração de turistas que eu vi. Ambos sempre consumiram muita moda de brechó e eles comentam comigo que empreenderam por necessidade. Fazer essa tour, aliás, evidencia como todas as teorias do empreendedorismo se aplicam nas diferentes visitas. Tem a necessidade, tem a oportunidade, tem a inventividade, tudo num único lugar, onde criaram um espaço colaborativo, um coletivo de brechós, onde cada um deles tem as suas especificidades e a especificidade da Kolobô é a customização destas peças.

Lá, a gente encontra roupas ressignificadas, com estamparias, cultura pop negra, como por exemplo as peças que trazem inspirações de "Todo Mundo Odeia o Chris", "Um Maluco no Pedaço" e uma peça que me encantou, com uma imagem muito linda e poderosa da Liniker. A bolsa, inclusive, comprei para dar de presente à própria. E essa ideia de a moda brechó ser a matéria-prima para uma criação de customização, seja ela a partir da aplicação de novas coisas ou de pintura, que é o carro chefe da Kolobô, é realmente a pura expressão de criatividade e de como a moda negra transforma tudo em potência. A escolha pelo Centro Histórico é para se localizarem num espaço privilegiado, com muitos turistas, pessoas circulando todo o tempo. Vale demais conhecer.

Coisas da vida

A Coisas da Vida foi a responsável pelo meu momento de maior emoção dessa tour, deixei lá muitas lágrimas. Foi onde conheci a Veronica Diniz, que tem esse empreendimento e vou começar a contar a história pelo nome. Pode parecer um nome simples, mas é muito mais que isso. Vida é o nome da sua filha, que foi a motivação inicial do negócio, cujo propósito era empoderá-la, a partir da aceitação da sua beleza e do seu corpo. Veronica conta sua história quase como um milagre ancestral.

Começou a produzir turbantes e vender pessoa a pessoa pelas ruas de São Luís. Em um ano e meio vende 12 mil faixas de turbante. Ou seja, ela tinha apenas um produto, muitas estampas e muita vontade de fazer acontecer. Depois de circular pelo Maranhão todo batendo recordes, empoderando sua mulheres e meninas, a Coisas da Vida tem agora um novo empreendimento, localizado também no Centro Histórico de São Luís, em frente a uma praça muito gostosa onde, junto com outras mulheres —cinco artesãs— criam um espaço para ter o sonho empreendedor realizado.

E como a roda da vida e da ancestralidade não para, a Vida quer seguir o caminho da moda. Mesmo sendo uma jovem criadora, ela já tem uma coleção completa desenhada e o sonho de colocá-la nas passarelas. Durante nossa conversa, elas me contaram que o Ateliê Xongani, a Cristina Mendonça, minha sócia e mãe, são grandes inspirações para a Coisas da Vida. Veronica nos conheceu quando pesquisava o mercado para abrir seu negócio. Então, foi muito emocionante. Saber que a gente faz parte da história de realização de outra mulher preta, empreendedora, que faz as coisas com uma intenção tão bonita e potente, é demais. É nosso sonho, que alimenta o dela, que alimenta o nosso de volta. Lindo demais!

Boi da Floresta

Não poderia terminar a tour sem uma boa dose histórica e, nesse sentido, não tem como não falar do barracão do Boi da Floresta, que existe há mais de 50 anos e é responsável por fazer da festa tão tradicional e marcante do Bumba Meu Boi o patrimônio cultural que é. Conversei com a Nadir Cruz, que está lá desde os 16 anos no barracão, que é daquelas mulheres que você precisa sentar e conversar uma tarde toda. Para quem não conhece as indumentárias típicas do Boi, com aplicação de miçangas e bordados muito específicos da região. A indumentária valoriza e comemora o território, a dança, a festa, o lugar onde tudo acontece.

E o bonito desse barracão é que ele tem uma ideia de continuidade. Tem um projeto para que as crianças se aproximem. Para gente ter noção, uma indumentária, com alguém trabalhando o dia todo, leva até dois meses e meio só pra terminar o bordado. E onde estas pessoas aprendem a bordar? No próprio barracão, então, é aquela ideia de ciclo gestor dessa cultura, né? O próprio barracão produz a moda, produz o artesão. Se fortalece, faz seus rituais, suas festas. O próprio barracão se sustenta e traz mais crianças, valoriza os mais velhos. É lindo de ver.

Nadir nos ensinou muitas coisas. Entre elas que, com muita dedicação e investimentos, os ensinamentos viram geração de trabalho e renda para novos artesãos. Quem por ali passa para servir essa cultura, sai de lá com seu ateliê aberto, com empresa aberta, que pode vender nacional e internacionalmente. E a arte de desenhar sobre o couro do boi? De bordar? Impressionante! Cada canutilho, miçanga, transformando tudo em uma verdadeira obra de arte, que vai saltar e brilhar aos olhos nas festas do Bumba Meu Boi, de São João, mas também o tempo todo, de quem tiver oportunidade de conhecer essa moda.

O Boi da Floresta é um lugar que te convida ao extremo respeito à manutenção das culturas nordestinas negras. E ter visto isso de perto, oportunidade de vestir, de conversar com essa griô, de ver essas obras de arte feitas por mãos negras de perto, contemplar para além do ambiente da festa, os lugares das religiosidades e da continuidade, foi um marco, um grande momento para a história da minha vida.

É isso, eu disse que era de se apaixonar, né? Convido todes a fazer essa tour e a conhecer Maranhão pela ótica da moda. É uma oportunidade de conhecer sobre talentos, sobre a força do autodidatismo para construção de moda e de conhecer muito mais sobre as riquezas do nosso país. Tendo a oportunidade, não perca!