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Andrea Dip

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro sempre disse a que veio. Os negacionistas somos nós

Jair Bolsonaro (sem partido) discursa na Avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Rocha/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Jair Bolsonaro (sem partido) discursa na Avenida Paulista, em São Paulo Imagem: Bruno Rocha/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Colunista de Universa

10/09/2021 04h00

"Só Deus me tira de lá. E aqueles que pensam que com uma caneta podem me tirar da presidência, digo uma coisa para todos: nós temos 3 alternativas, em especial para mim, preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que nunca serei preso", afirmou o presidente da República do Brasil, em discurso inflamado durante o feriado de 07 de setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, após discursar em Brasília em manifestações convocadas por ele mesmo em favor de seu governo. Viagem realizada - ou viagens realizadas, no plural, já que ele tem rodado o país há meses nessas convocações - com verbas públicas, é bom lembrar.

Não há como ser mais claro em suas intenções: Bolsonaro verbaliza que não pretende deixar o poder em 2022. Assim como declara que não acatará mais qualquer decisão que vier do STF, em especial do ministro Alexandre de Moraes, a quem chama de "canalha". Ressuscita mais uma vez o voto impresso, ignorando decisão já tomada pelo Congresso Nacional de enterrar de vez o assunto e faz tudo isso citando versículos bíblicos e frases de efeito.

O que se viu, neste 07 de setembro, foi um Bolsonaro que segue flertando com o fascismo, com o autoritarismo, um homem cujo fetiche pelas ditaduras de extrema-direita cresce na medida em que ele inflama sua base mais radical às "rupturas institucionais" e "estica essa interminável corda" como define a jornalista Cecília Olliveira em entrevista ao podcast Pauta Pública nesta sexta-feira.

A estratégia de arquitetar um inimigo, eleger um "grande outro", não é nova na história e nem mesmo no próprio Bolsonarismo. Para tirar o foco da queda de popularidade, das crises (financeira, hídrica, sanitária), do aumento do desemprego, da inflação, dos quase 600 mil mortos por coronavírus, o presidente mira desta vez o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que não por acaso é relator de quatro inquéritos em que Bolsonaro e seus aliados são investigados. Não é um pensamento muito elaborado, mas ainda assim Bolsonaro consegue nos pautar e deixar um país em suspenso.

É uma disputa de narrativas, de imagem, do que é ou não real, do que é ou não piada. Em uma entrevista que fiz com o professor e filósofo Vladimir Safatle em 2018, às vésperas da eleição presidencial, ele disse sobre Bolsonaro: "Ele é capaz de falar tudo o que fala e, como fez ontem, falar: 'não é pra levar muito a sério o que eu falo, eu sou um comediante'. Adorno, quando vai analisar o fascismo, fala que o cerne da adesão ao fascismo é que, na verdade, ninguém acreditava no que era enunciado. Você ironiza a violência enquanto trucida todo mundo. Porque, se fosse pra assumir uma ética da convicção, ninguém iria suportar. Essa face cômica é constitutiva de todo discurso autoritário".

Bolsonaro sempre foi claro nas suas intenções de destruir o país, passar por cima de corpos dos ativistas, armar a população, fazer a "minoria se curvar à maioria". Os negacionistas somos nós, os jornalistas, a sociedade, as instituições que teimamos em não acreditar no que é enunciado. As respostas ou não respostas das instituições ao circo do 07 de setembro seguem nessa linha.
- Ele é perigoso.
-Mas não está armado.
-Está armado!
-Mas não vai tirar a arma do coldre.
-Está apontando para nós!
-Mas não vai engatilhar.
Click.