Topo

Andrea Dip

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que explica o ainda forte apoio dos evangélicos a Bolsonaro?

Jair Bolsonaro em visita a uma igreja Assembleia de Deus, em janeiro deste ano                        - ISAC NOBREGA/PR
Jair Bolsonaro em visita a uma igreja Assembleia de Deus, em janeiro deste ano Imagem: ISAC NOBREGA/PR

Colunista do UOL

04/03/2022 04h00

Uma pesquisa feita pelo PoderData entre 27 de fevereiro e 1º de março, divulgada na quarta-feira (2), mostra que o presidente Jair Bolsonaro (PL) conta com 48% das intenções de voto entre eleitores evangélicos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece em segundo lugar, com 27%.

Ainda segundo a pesquisa, que entrevistou 3.000 pessoas, a proporção se inverte entre o eleitorado geral: Lula aparece com 40% das intenções de voto contra 32% de Bolsonaro. E entre os católicos, a vantagem para Lula seria ainda maior: 44% contra 26% para o atual presidente.

Como jornalista que investiga as conexões entre a igreja evangélica e a política desde 2015 e como alguém que passou mais de 20 anos observando parte desse universo por dentro (digo parte porque é heterogêneo e universo porque é complexo), confesso que não me deixei levar pelo otimismo de pesquisas anteriores, que apontavam para um suposto abandono dessa importante base de apoio a Bolsonaro.

Explico minha desconfiança. A aproximação dessa atual extrema-direita com o eleitorado evangélico foi se construindo lentamente. Porém, como ouvi de muitos pesquisadores quando estava escrevendo meu livro reportagem "Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e Seu Projeto de Poder" (ed. Civilização Brasileira), deu uma guinada a partir de 2014, sobretudo na época em que o MEC (Ministério da Educação) propôs inserir discussões de gênero no Plano Nacional de Educação.

Naquele momento, a bancada evangélica no Congresso romperia oficialmente (e bastante midiaticamente) com a presidente Dilma Rousseff (PT) e daria início a uma verdadeira "cruzada antigênero" pelo país, em que deputados, senadores e líderes cristãos reforçariam o combate ao fantasma da "ideologia de gênero" — conceito que não é novo usado para designar algo que sequer existe, mas que ainda assim se fortaleceria bastante naquele momento no Brasil.

A partir dessa narrativa ficcional, partidos e figuras políticas da extrema-direita religiosa brasileira se integraram a uma onda ultraconservadora que se erguia no mundo — e, claro, perceberam aí uma oportunidade de criar novas e poderosas alianças, sobretudo com líderes de megaigrejas.

O que se vendeu aos fiéis foi o combate santo a inimigos maiores: o comunismo, as feministas, os jornalistas, os professores, os ativistas, a esquerda em geral e, sobretudo, o Partido dos Trabalhadores, nas figuras de Lula e Dilma Rousseff. E isso teve tudo a ver com o que viria a seguir: a reafirmação de um fascismo brasileiro, a glorificação de torturadores da ditadura militar, o impeachment de Dilma, a eleição de Bolsonaro, a emulação de símbolos nazistas.

Pelo país, a guerra santa que elegeu Bolsonaro aconteceu a partir de uma narrativa construída e reforçada a cada culto, a cada mensagem de WhatsApp no grupo de oração, a cada notícia falsa compartilhada uma a uma.

Não à toa, foi a campanha com maior apoio de denominações evangélicas da história recente do país. Se o plano de governo não era claro, as bandeiras do atual presidente eram: acabar com a "ideologia de gênero", com o comunismo, com a doutrinação marxista nas escolas, legitimar toda forma de fascismo, misoginia, LGBTfobia.

Com o topo, com as lideranças das megaigrejas, com a bancada evangélica no Congresso, as alianças eram feitas a partir de acordos milionários, privilégios, isenções, perdões de dívidas, projetos de leis, promessas de poder.

E, apesar da fome, do desemprego, da péssima condução da pandemia de coronavírus, do desmonte das políticas sociais e ambientais, da destruição da Amazônia e da total irresponsabilidade e inabilidade de Bolsonaro com relação à política externa, os acordões foram mantidos, os alugueis foram pagos e o discurso antidireitos foi reforçado a cada crise. Teve até jejum nacional, dezenas de fotos com líderes evangélicos, presenças importantes do mundo gospel na tentativa fracassada de golpe no 7 de setembro de 2021.

Derrubar essas narrativas não é assim tão fácil. Elas estão sólidas. O bolsonarismo é real e passa por dentro das igrejas evangélicas. Por isso a luta e a resistência que estão sendo criadas dentro desses espaços também são cada vez mais importantes.

Não falo da tentativa de cooptação de um eleitorado, mas da luta que surge a partir de demandas legítimas das pessoas, da consciência, do questionamento tão desencorajado por líderes religiosos. Esse movimento, sim, deve ser visto com otimismo, incentivado. Não confundir desejo com realidade é fundamental para provocar transformações sociais e políticas.