Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O que um short curto diz sobre uma mulher quando ela tem mais de 50
Às 7 da noite, ela decidiu se aprontar para o jantar: "vou colocar uma roupa chique", disse. "Na roça?", pensei. Mas logo em seguida compreendi - era a celebração da reunião de quatro amigas que não se encontravam havia mais de um ano - e me dispus a acompanhá-la. Tirei o moletom, busquei uma blusa trapézio bicolor, quis me sentir especial. Inveja também produz beleza, comentei.
Estávamos em uma chácara - apenas as quatro - e programamos o jantar na varanda da casa de uma das anfitriãs. A chácara tem duas casas de madeira, muito mato, muito barro e, infelizmente, começa a hospedar mosquitos no verão. A ausência deles era um privilégio que desfrutávamos anos antes de o planeta esquentar para valer.
Quando minha amiga saiu do banheiro, trajava a roupa de comemoração: uma regata de seda branca, um leve quimono desconstruído por cima. Na parte de baixo do corpo, um short preto. De alfaiataria, mas ainda assim um short. Não uma bermuda, dessas que vão até o joelho, mas um verdadeiro short. Curto. Ela estava linda. Não tinha varizes ou celulite, mas se tivesse não acho que faria diferença, continuaria linda.
Minha amiga tem mais de 60 anos e o fato de ter escolhido um short para o jantar diz muito sobre a nossa geração: a primeira que não guardou roupas no baú de trajes inadequados para a idade. Todas nós usamos shorts: na praia, no dia a dia dentro de casa, no mercado das redondezas.
Acho que nunca nem pensamos no assunto. "O que será que o porteiro vai achar?", por exemplo, não me passa pela cabeça. Mas ali, na festinha improvisada ao ar livre, tentando nos manter afastadas apesar da vontade de nos abraçar depois do segundo ou terceiro drinque, percebi que o short dela era uma tremenda declaração de liberdade. Não se tratava apenas de uma roupa mais confortável no verão. Tratava-se de um traje elegante, sexy até, em uma mulher madura. Tratava-se, como dizem nossas filhas, da afirmação da propriedade sobre o próprio corpo.
Ah, como eu seria uma mulher triste se não pudesse usar short. Ou se me sentisse inadequada com qualquer tipo de roupa da qual gostasse. Imagino as mulheres, em tantos milênios de trevas, com suas roupas apertadas, escuras, abafadas, escondidas e encarceradas.
Sem poder mostrar os pés, os joelhos, os cabelos, as bocas. (Sim, essas mulheres andam entre nós. Ainda.) Felizmente, no último século, a grande maioria ganhou o direito de escolher o que vestir. E, hoje, enquanto jovens mulheres afirmam o direito de não serem molestadas nas ruas por causa das suas roupas, mulheres maduras desfrutam do direito de permanecer vivas e vibrantes, livres, pelo tempo que quiserem. Em meio a tanta escuridão, precisamos tanto disso…
Gracias a la vida. Gracias por estarmos vivas nesta época, apesar de tudo.
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