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Tamanduá e Baita: os dois últimos homens de um planeta

Os Piripkura Tamanduá e Baita durante contato com especialistas da Funai - Divulgação
Os Piripkura Tamanduá e Baita durante contato com especialistas da Funai Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

20/03/2021 04h00

Recentemente, o Instituto SocioAmbiental, ISA, divulgou a seguinte informação: um dos pedaços com desmatamento acelerado do Brasil em 2020 ficava perto de Rondolândia, cidade do Mato Grosso cujo território se insere no bioma amazônico. O ISA é uma ong que atua na Amazônia e, entre outras coisas, pesquisa o desmatamento em territórios onde vivem povos indígenas isolados.

Nesse pedaço ultradesmatado está a terra reservada à moradia e sobrevivência de dois indígenas conhecidos pelos nomes de Tamanduá e Baita. Eles são tio e sobrinho e vivem isolados há décadas. Acredita-se que sejam os únicos sobreviventes de um massacre que aconteceu, nos anos 80, e que dizimou sua família e seu povo, os Piripkura.

Uma mulher sobrevivente teria deixado a floresta. Quando li sobre eles, fiquei fascinada com a história desses homens que por aproximadamente 40 anos vagam sozinhos na mata. Sem amores, sem vizinhos, sem amigos, sem filhos. Um tendo apenas o outro como companhia.

Do que será que eles se lembram? Já se esqueceram de quantas palavras de uma língua única no planeta, que apenas o seu povo sabia falar? Ainda se lembram das histórias que os mais velhos contavam? Como resistem diante da ideia de que não há futuro para eles? De que nunca casarão e procriarão? De que sua família e seu povo, sua crença e seu mundo - tudo partirá com eles, quando morrerem?

Calcula-se que faz 10 mil anos que a Amazônia começou a ser habitada por homens. Será que os antepassados de Tamanduá e Baita estavam entre eles? Nunca saberemos. Apenas o estudo genético poderá nos dar algumas pistas do que poderia ser contado pela preservação da história dessas pessoas.

Desde que os europeus chegaram à Amazônia, dezenas de línguas foram extintas, milhões de pessoas foram mortas. Hoje, estima-se que existam 400 mil indígenas na região da Pan-Amazônia, que envolve nove países sul-americanos. Uma parte deles compõe os povos sem contato com brancos (segundo o site da Funai, existem 114 registros desses povos na Amazônia Legal).

São povos que preservam seu modo de vida sem o embarque nas tecnologias que nós, os outros, desfrutamos e das quais dependemos. A maior parte deles não estabeleceu nenhum tipo de contato conosco. São vistos, observados, pesquisados e imaginados por nós, mas não nos conhecem. E vice-versa.

O que eles vêem em nós? Para eles, imagino, nós não somos humanos, somos alienígenas, seres que chegam para destruir e dominar. Nós não pertencemos ao planeta deles, ao seu universo, ao seu mundo.

Já nós, o que vemos neles? Eu enxergo duas pessoas acuadas que foram condenadas à trágica condição de representantes inférteis da própria humanidade.

No entanto, somos mais semelhantes do que diferentes.

Por isso, ao me deparar com o relato sobre os Piripkura, parece que só me restam perguntas. Como isso pode acontecer? Como não estamos todos debruçados tentando salvar o mundo desses dois homens apenas deixando que eles continuem vivendo?

Por um momento, tentei me colocar no lugar do tio e do sobrinho. Por um momento me imaginei aqui, no meu planeta de 7 bilhões de pessoas, sozinha, com apenas mais um ser humano. Sabendo que tudo que é importante para mim simplesmente se extinguiu.

Se você quer saber mais sobre os irmãos, há um documentário sobre os Piripkura lançado em 2017, dirigido por Bruno Jorge, Mariana Oliva e Renata Terra disponível no canal Tamanduá.TV.br

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