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Caso Lázaro: como fica a mãe que descobre um filho violento?

Mãe de Lázaro pede que filho se entregue a polícia - Reprodução/Rede Globo
Mãe de Lázaro pede que filho se entregue a polícia Imagem: Reprodução/Rede Globo

Colunista de Universa

27/06/2021 04h00

Existe essa ideia do senso comum de que não há nada pior, para uma mãe, do que um filho violento. Não sei o que eu faria no lugar de Eva Maria Sousa. Diria que "a culpa não é minha", como ela faz na entrevista publicada aqui no UOL? E, ao dizer isso, estaria me desculpando pela existência do filho? Estaria pedindo perdão aos familiares das vítimas? Ou estaria me desculpando como mãe que tentou e fracassou?

Provavelmente, todas as alternativas acima estariam corretas porque a relação de mãe e filho, de criadora e cria, de geradora e gerado é uma relação na qual é tudo meio misturado, não se sabe onde começa e onde termina.

Além disso, não é por acaso que a mãe de Lázaro usa essa palavra, a culpa. Mães nascem culpadas, não é? Culpadas duplamente. Primeiro, porque sentem que não fizeram o bastante ou o correto. Segundo, porque é para elas que sempre apontamos o dedo acusatório.

Sim, porque exigimos que as mulheres sejam perfeitas como mãe. Se elas forem perfeitas, os filhos serão perfeitos (e o contrário seria verdadeiro).

Outra Eva, mãe criada pela escritora Lionel Shriver no romance "Precisamos Falar sobre o Kevin", sempre enxergou crueldade no comportamento do filho que, na adolescência, mata colegas de escola, o pai e a irmã. O traço de maldade de Kevin causa repulsa e culpa em Eva. E é este último o sentimento que prevalece em todo o livro.

A história de Kevin é uma criação literária, um angustiante romance sobre a maternidade e a monstruosidade (vale muito a pena ler). A culpa da Eva do livro tem a ver, principalmente, com o fato de ela enxergar a maldade no filho desde pequeno.

O que me leva à segunda pergunta: o que uma mãe faz com o amor quando percebe ou descobre que o filho é um mau? O que ela faz com a vontade enorme de protegê-lo e defendê-lo?

No começo da caçada humana à Lázaro, logo depois que ele matou quatro pessoas de uma mesma família, Eva divulgou um apelo. Pedia ao filho que se entregasse. Entre outras coisas, dizia que a família ainda gostava dele. No livro, a mãe, destruída pelas barbaridades cometidas pelo filho que talvez ela nunca tenha conseguido amar, continua visitando-o. Deixou de querer entender o motivo de ele ser como é. "Não tenho muita certeza se quero mesmo entender Kevin, descobrir em mim um poço tão escuro que de suas profundezas os atos dele façam sentido", diz.

Eva, a mãe de Lázaro, também parece não entender os atos do seu filho, pois diz que "era amoroso, bom aluno, frequentava a igreja". Pais atentos, comida à mesa, educação, o cultivo de valores que consideramos construtivos. Este é o pacote que nós acreditamos ser adequado para a criação de uma criança saudável, certo? E, se nada muito traumático acontecer no caminho, essa criança deverá ser um adolescente e depois um adulto capaz de integrar uma comunidade, alguém que respeita as regras básicas de convivência.

Algumas vezes, este pacote não basta para fazer um ser humano se ajustar à vida em sociedade, no entanto. A ciência parece estar longe de concluir o que vem primeiro, se a criação ou a natureza. Da mesma maneira, está longe de determinar como funciona o cérebro humano, quais suas doenças, suas modulações; quais traços de comportamento herdamos e quais desenvolvemos.

Mesmo com a ajuda de psiquiatras, investigadores, cientistas forenses e neurologistas, talvez Eva não seja capaz de entender seu filho. Se depender do que sabemos até hoje sobre o tema, Lázaro ainda será um mistério que a mãe não conseguiu decodificar.

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