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O trabalho te define? O que acontece, então, quando você se aposenta?

Meryl Streep no filme "Deixe Que Todos Falem" - Reprodução
Meryl Streep no filme "Deixe Que Todos Falem" Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

25/09/2021 04h00

Meryl Streep, que interpreta uma escritora de prestígio, no filme "Deixe Que Todos Falem", está indignada porque sua agente literária largou o trabalho. A pergunta é para rir. A verdade é que provoca uma reflexão: a gente realmente deve parar de trabalhar por causa da idade?
Seguem vários exemplos para fazer pensar.

Com um grupo de amigos, estou trabalhando em um documentário sobre um acidente de avião na Serra da Mantiqueira que aconteceu nos anos 80. Um dos meus entrevistados, um militar reformado da Aeronáutica, tem 78 anos. Ele falou de uma forma entusiasmada sobre o trabalho e da saudade que tem dele.

"Por que parou?" perguntei. Depois de se aposentar do emprego público, ele trabalhou 5 anos na aviação privada. Por azar, a empresa fechou. Desde então, ele vive muito bem com a esposa em um apartamento de classe média alta, com soldo e benefícios que apenas uma parte dos aposentados brasileiros tem acesso. "Você precisa do dinheiro?", pergunto. Sei que não. "Todo mundo precisa", ele responde. "Precisa desesperadamente?" Ele admite que não, tem dinheiro para viver relativamente bem até os 100 anos de idade. Então, o quê? Por que tanta a saudade? "Eu gostava muito do que fazia."

Em um documentário tão bom quanto assustador, chamado Indústria Americana (disponível no Netflix), um trabalhador chinês expatriado para os Estados Unidos, se faz a mesma pergunta. E responde, enfaticamente, que sim. O trabalho é o propósito da vida. "Não é?", pergunta ele.
O rapaz tem por volta de 30 anos, o turno de trabalho é insano - 12 horas por dia, 6 ou sete dias por semana - e a empresa o obriga a ficar longe da família por muitos meses. Ele sente falta da família, mas o trabalho tem uma dimensão maior em sua vida. Sem o trabalho, parece, ele não teria razão para existir. Sem o trabalho, nem a própria família existiria.

Converso com um colega da minha idade. Ele acabou de sair de um emprego e está ansioso. "Você precisa de dinheiro?" A mesma pergunta, para outra pessoa. "Não necessariamente", ele responde. "Preciso do trabalho." O trabalho, diz ele, é seu companheiro de vida. Sem o trabalho, ele se sente sozinho.

Nossa geração é assim. No século passado, o trabalho definia as pessoas. Se antes, eram as posses, os títulos nobiliárquicos e o sobrenome, durante todo o século passado, foi o emprego que situou a pessoa em algum dos degraus da escada de importância social. "O que você faz?" é o tipo de pergunta que iniciava qualquer conversa. As mulheres que não trabalhavam costumavam ficar constrangidas nesse momento porque ser dona de casa deixava de ser legal depois dos anos 60, quando a força de trabalho feminina passou a crescer absurdamente.

Tenho a impressão de que essa relação que tivemos com o trabalho não vai se sustentar no futuro. Não só porque a revolução digital e a inteligência artificial vão modificar a cena dos empregos necessários, mas também porque muitas outras coisas estão mudando. Jovens e adultos, em sua maioria, não são felizes no tipo de trabalho que têm. Agora, além do dinheiro e do plano de saúde, eles buscam propósito no que fazem e querem estar com mais tempo para a família, os amigos e os pets.

Outra mudança: vivemos mais tempo, o que faremos com ele? Trabalhar arduamente até os 50, acumular o que conseguir, para, então, se aposentar feliz, não faz mais sentido. A aposentadoria precoce pode ser deprimente, como já mostrei lá em cima, principalmente para a geração que colocou o trabalho em primeiro lugar na vida.

Li, no UOL, que a pandemia foi cruel para as pessoas com mais de 60. "Mais de 1,3 milhão de idosos deixaram de trabalhar ou de procurar um emprego, na comparação do primeiro trimestre de 2020 com o mesmo período do ano anterior." Se, por um lado, as crises contínuas aposentam ou deixam mais gente acima dos 60 fora do mercado de trabalho, por outro, o número de idosos que sustenta a família continua absurdamente grande. Cerca de 91% dos brasileiros com mais de 60 anos contribuem para o sustento da família", diz artigo publicado na Folha de S. Paulo neste ano.

Então, a questão do trabalho depois dos 60 é complexa. Não tem apenas o aspecto de saúde mental, mas também o econômico e o social. Imagino que, para lidar com tudo isso, tenhamos que repensar o peso do trabalho durante nossa trajetória cronológica. Distribui-lo melhor para que ele não seja tão predominante quando temos que cuidar de crianças aos 30 e 40 anos de idade, e nem tão ausente, quando passamos dos 60, época que, em geral, temos experiência e tempo a dedicar ao mercado.

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