Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Cabelo branco ou tingido? O que você quiser, responde Mirian Goldenberg
Em 2013, uma aluna da professora Mirian Goldenberg decidiu escrever uma dissertação de mestrado sobre mulheres que optavam por não pintar os cabelos. "Era algo tão excepcional que merecia até uma tese de antropologia", lembra Mirian, a mais conhecida autora de livros e estudos sobre o envelhecimento no país e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A antropóloga conta essa história para ilustrar a mudança de comportamento em relação aos cabelos brancos. A mudança, no Brasil, começou bem lenta, mas acelerou durante a pandemia, quando salões de beleza fechados obrigaram um enorme número de pessoas a interromper o hábito da aplicação da tintura. Hoje, os cabelos brancos estão ficando tão comuns que se começa a perceber gente estranhando que, ao envelhecer, mulheres continuem pintando o cabelo. Sobre esse assunto, fui conversar com Mirian.
UNIVERSA - Mirian, você é observadora do envelhecimento no país há bastante tempo, tendo criado vários conceitos sobre o tema. Um deles, de que o corpo jovem é o grande capital das mulheres. Outro conceito que ficou muito conhecido foi o da curva da felicidade na maturidade. Neste caso, seus estudos levaram à conclusão de que, depois dos 50 anos, as mulheres são mais felizes. Agora, você tem falado sobre a necessidade da libertação da opinião alheia para que sejamos mais felizes na maturidade. Isso se aplica aos cabelos brancos?
Mirian Goldenberg - Sim, claro. Muitas mulheres que estão deixando o cabelo ficar branco, hoje, querem dizer que esse é um modelo de beleza legítimo. Antes, esse modelo era impensável. Mulheres que não pintavam o cabelo eram acusadas de não serem femininas, não investirem na beleza, de serem desleixadas.
Mas esse pensamento ainda continua, não é? Várias celebridades são criticadas quando assumem seus cabelos brancos.
Claro, porque valores demoram a mudar. Discursos mudam, comportamentos mudam, mas os valores demoram a mudar, estão introjetados dentro de cada um de nós. Os discursos mudaram tão radicalmente que o cabelo branco deixou de ser um estigma para ser um valor para determinadas mulheres e grupos. Para esses grupos, cabelos brancos são charmosos, uma coisa bonita. Mas não podemos esquecer que cabelo sempre foi o signo da feminilidade, da sedução, principalmente no Brasil, onde o corpo jovem feminino é um capital. Aqui, as mulheres, mais do que em muitas outras culturas, estavam presas à obrigação de frequentar a manicure e o salão de beleza semanalmente. Um país que valoriza a juventude e despreza a velhice vai demorar a entender que o cabelo branco não é aposentadoria da vida sensual e do cuidado com si mesma.
Entre grupos que celebram os cabelos brancos, você não teme uma certa tirania, como se as mulheres que pintam o cabelo sejam traidoras do feminismo?
Será que a pergunta se inverteu? Será que o famoso "por que você não pinta o cabelo?" se transformou no "por que você pinta o cabelo?" Sei que tem gente que faz essa pergunta em um tom acusatório, mas com certeza a cobrança pelo tingimento do cabelo ainda se mantém. Então, agora temos duas perguntas concorrendo como cobranças por um modelo positivo de envelhecimento.
O que você acha disso?
Na verdade, estamos vivendo um momento de ambiguidade. Nossa geração, a que nasceu nos anos 50 e 60, está no meio de muitas ambiguidades. De um lado, somos aplaudidas quando nos libertamos das tinturas. De outro, somos criticadas. De um lado, nós, mulheres com mais de 60 anos de idade, estamos preocupadas com a essência e não com a aparência. De outro, ainda sofremos a pressão de uma sociedade que nos massacra e nos torna invisíveis depois dos 40 anos.
Cabelos brancos ou tingidos: um desses modelos é mais libertador do que o outro? Em algum momento do passado, imagino que poder pintar o cabelo pode ter sido libertador para as mulheres...
Libertador é poder escolher, sem as pressões e a imposição de um modelo absoluto de beleza. Libertador é não perguntar por que a pessoa pinta ou não pinta o cabelo.
Já te perguntaram isso?
Para falar a verdade, até recentemente, ninguém me fazia esse tipo de pergunta, mas nos dois últimos meses duas ou três mulheres me questionaram. Nesse momento, minha prioridade não é pintar ou não pintar o cabelo. Hoje, por causa da pandemia, meu cabelo está uma meleca, com três cores diferentes. Minha prioridade, em termos de cabelo, é cortá-lo, porque ele está maltratado, fino, caindo. Veja, o cabelo branco é apenas um signo de velhice. Existem outros, como as rugas, a pálpebra caída, a flacidez. Sou bastante cobrada, por amigas, inclusive, para fazer botox, levantamento da pálpebra, preenchimento dos lábios. Mas nada disso me interessa, não me interessa o que os outros pensam sobre minha aparência feminina. Se a pessoa se sente livre, ela se sente bela. Aprendi isso na convivência com os mais velhos.
Você diz que algumas amigas te cobram por não fazer procedimentos estéticos para manter uma aparência mais jovem. Homens não cobram também?
As mulheres cobram mais porque se sentem mais cobradas. Os homens não são os mais relevantes nessa busca de transformação. Quanto mais mulheres se sentirem bonitas e plenas com o cabelo branco, com as rugas etc., mais o olhar de todos sobre o que é considerado belo vai mudar. Eu acredito muito na libertação individual, é ela que garante a beleza. Você vai se sentir plena e verdadeira, quando não estiver condenada a seguir padrões alheios de aparência. Como já disse antes, para envelhecer bem e se sentir plena, foda-se o que pensam os outros.
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