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Trans espancada na escola em Mogi: o soco deveria doer em todos nós

 Transexuais são agredidos diariamente no Brasil e no mundo - nito100/iStock
Transexuais são agredidos diariamente no Brasil e no mundo Imagem: nito100/iStock

Colunista de Universa

11/02/2022 15h30

Nesta noite, sei que não vou dormir. Passei o dia em estado de horror depois de ter visto o vídeo da adolescente transgênero, aluna de uma escola de Mogi das Cruzes, cidade próxima a São Paulo. No vídeo, ela é socada no rosto e na cabeça por colegas de classe. É uma barbaridade. Só de pensar que poderia ter acontecido com meu filho, eu estremeço e começo a desistir do mundo.

Converso com Clarice Cruz, uma amiga que, como eu, é mãe de uma pessoa LGBT. "Aconteceu dentro da escola?", ela pergunta. "Aconteceu dentro da classe", eu respondo.

Ficamos as duas em silêncio. Não temos palavras, é muito monstruoso. Dentro de uma escola, onde adolescentes deveriam estar protegidos. Dentro da classe, onde adolescentes deveriam estar aprendendo a conviver.

Sabemos, as duas, que muitos transexuais são agredidos diariamente no mundo. Não só no Brasil, não só em Mogi das Cruzes, no mundo todo, infelizmente. Não somos românticas, polianas. Para garantir a segurança dos nossos filhos e acreditar em um futuro mais inclusivo e menos preconceituoso, temos que lutar.

Mas o vídeo, publicado por alunos nas redes sociais, torna tudo muito concreto.

O soco que a aluna recebe no rosto, eu também recebo. O murro na cabeça dói em mim.

A humilhação, a solidão, o corpo encostado na parede, escorregando depois de apanhar - este corpo também é o meu. "Clarice", eu digo, "não suporto."

Ela me conta que, há 35 anos o filho gay foi chamado repetidamente de bambi por um professor do colégio onde estudava. Quando soube do acontecido, anos depois, Clarice foi procurar o professor. O encontrou doente. "Ele se lembrava", ela contou. "Lembrava e se arrependia." O professor pediu perdão, Clarice não soube o que dizer. Saiu dali tão triste quanto chegou. "Mas não consegui perdoá-lo", confessa.

Se eu estivesse no lugar de Clarice, também não perdoaria o professor. Se eu estivesse no lugar da mãe da menina de Mogi, duvido que conseguisse perdoar os alunos. Você conseguiria?

O que você faria se visse seu filho sendo espancado na classe? Seria capaz de se segurar e enxergar nos agressores o que eles também são - filhos de outros pais?

Como tudo isso é revoltante! Como é triste perceber que a monstruosidade nos contamina.

Não vou dormir essa noite. Vou chorar porque não entendo esse mundo. Vou rezar - eu que não rezo - para que essa menina sobreviva a esta rejeição e agressão coletivas. Não sei qual das duas é pior, sinceramente.

E, caso eu venha a dormir, vou tentar acordar com menos ódio no coração.

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