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Carla Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Não fica bom em você": a maquiagem também pode ser libertadora

Lady Gaga é defensora do make como ferramenta de expressão - Reprodução/Instagram @ladygaga
Lady Gaga é defensora do make como ferramenta de expressão Imagem: Reprodução/Instagram @ladygaga

Colunista de Universa

22/04/2021 04h00

Sou grande fã de maquiagens coloridas. É só dar uma percorrida no meu feed do Instagram (aproveita e segue lá no @carlinha) para você ser impactada com sombras coloridas, batons vibrantes e muito brilho, para ficar em casa mesmo. Para mim, maquiagem é sobre como me sinto e quero me expressar pro mundo. E nesses tempos que qualquer estímulo de felicidade é bem-vindo, me divertir com o make tem sido fundamental.

Desde muito novinha, sou fascinada por cores — nasci na década de 80 e carrego suas referências estéticas comigo desde sempre. Só que, por mais que eu fosse apaixonada por maquiagens coloridas, não foi fácil viver esse amor.

Na adolescência, eu fui bombardeada por revistas dizendo que pessoas com meu tom de pele e meus traços deveriam preferir as nuances discretas e terrosas, porque não era de "bom tom" usar cores vibrantes, já que só ficavam boas em quem tinha a pele branquinha

E, em parte, não dá para dizer que essa afirmação tava de todo errada, já que toda vez que eu ousava experimentar uma sombra colorida ela não ~pegava~. Era fácil acreditar, portanto, na narrativa de que maquiagens coloridas não eram para mim.

Quando cresci, me tornei uma blogueira de moda de sucesso e comecei a cobrir semanas de desfiles nacionais e internacionais. E o meu momento favorito não eram aqueles da passarela: o que eu gostava mesmo era de navegar pelo backstage, especialmente na área de maquiagem, onde a magia acontecia.

Carla Lemos - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Carla Lemos tinha receio de usar makes coloridos
Imagem: Acervo Pessoal

Nos desfiles, a quantidade necessária de modelos para realização do espetáculo é muito grande e foi aí, em tamanha variedade, que eu encontrei garotas com traços e cores parecidos com os meus. Isso abriu um universo de possibilidades até então bloqueadas por regras de revistas e produtos de má qualidade.

Assim, aos pouquinhos, fui me permitindo experimentar as coisas que sempre gostei. Lembro da emoção de passar o batom "Russian Red" da M.A.C e vê-lo pigmentar um vermelho intenso em meus lábios, exatamente como ficava nos da Madonna, ou ainda o "Impassioned", mesmo rosa vibrante que Beyoncé usou no clipe da música "Telephone".

Quando ganhei meu primeiro batom (quase) preto, parte de uma coleção colaborativa entre a cantora Azealia Banks e M.A.C, demorei a ter coragem de usar. O mesmo aconteceu com batom azul que eu adoraaava (desde o início dos anos 2000) e só me permiti experimentar no final de um trabalho por incentivo da maquiadora Daniele da Mata. Isso rolou em meados de 2016 e, só no início de 2018, então eu saí de casa segura e confiante para ir em um show usando batom verde. Foi quando passei de fase.

O processo de desconstrução não é linear e nem anda na velocidade de um trem bala. Mas, às vezes, a gente se depara com umas pistas expressas que fazem toda a diferença. Quando a gente ainda podia aglomerar, eu promovia encontros anuais com as minhas seguidoras. Eram matinês que tinham maquiadoras para quem quisesse experimentar um make novo. E ninguém fazia olho preto, não. Elas piravam nas cores e nos brilhos, como se fizessem parte de um episódio de "Euphoria" (HBO). Era contagiante demais a energia daquela gente toda se adornando, se exaltando, se expressando sem medo de repressão.

Hoje, muita gente me vê como referência, mas eu ainda tenho as minhas inseguranças; ruínas da muralha da inadequação que construíram ao meu redor. Misturo cores e brilhos sem medo, entretanto ainda sinto certa dificuldade para ousar nos formatos, como vejo as novinhas do TikTok fazendo. Tô meio amarrada no mundinho do delineador gatinho, mas, tudo bem, sem pressa.

É assim, devagar, que a gente vai ganhando mais confiança para experimentar e se permitir se enxergar de outras formas. Jeitos menos preocupados em alongar o olhar e contornar o rosto e mais focados em explorar criativamente o que sentimos, do jeitinho que era lá no início da humanidade, como quando nossos ancestrais também se coloriam para se comunicar com o mundo.