Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Até Chimamanda foi cancelada: não dá para exigir pessoas à prova de erros
Nas últimas semanas, polêmicas envolveram o nome de mulheres importantes: a internet resgatou denúncias antigas de transfobia da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, fez discurso dizendo que as pessoas seriam deportadas do país, a escritora Naomi Wolf propagou notícias falsas sobre vacinas, a apresentadora Chrissy Teigen foi acusada de bullying. Parece que, procurando bem, poucas personalidades não têm controvérsias associadas.
Já escrevi aqui em Universa sobre precisarmos "lidar com o fato de que pessoas não são perfeitas, lógicas e 100% coerentes." Desde então, tenho repetido como mantra que devemos focar em propagar fatos, histórias, ideias, não personalidades. Até porque, investigando, todo mundo tem suas problemáticas.
Tal qual a fatídica entrevista de 2017, quando perguntam para Chimamanda se ela acredita que mulheres trans são mulheres. Ela respondeu de forma confusa, com argumentos falhos.
Chimamanda não é uma mulher trans, não tem trabalhos relacionados a mulheres trans. Então, por que o jornalista achou que ela, enquanto uma uma mulher cisgênero, deveria opinar sobre mulheres trans sem alguém com lugar de fala ao menos por perto. A opinião da escritora sobre este tópico nem deveria ser relevante, já vamos começar por aí.
Mesmo admirando profundamente o trabalho da escritora, como autora de um dos meus livros favoritos e como ativista feminista, não posso mais colocá-la em uma posição de pessoa irrepreensível, como se fosse detentora de todo conhecimento e sabedoria do mundo. Ela é genial, mas não é uma deusa inquestionável.
Faço aqui a minha autocrítica. Eu já errei muito ao contribuir para essa cultura nociva de endeusar pessoas acima do seu conteúdo. Quantas vezes eu não disse que espalharia a palavra de Naomi Wolf e olha o perigo que é significa hoje! Eu sou hiperbólica, superlativa, gosto de dar intensidade aos tópicos que me são importantes, mas tenho que direcionar isso aos fatos, não às pessoas
Se idolatrarmos menos, se não tratarmos as pessoas como deuses santificados, pararmos de colocar seus nomes à frente de suas obras, então não nos surpreenderemos ou enfureceremos quando essas figuras pisarem fora da linha. Se eu mesma não consigo corresponder às expectativas que eu tenho sobre mim, como posso exigir impecabilidade de outro?
A própria Chimamanda falou, em entrevista ao Roda Viva, quando perguntada sobre suas expectativas com relação a Kamala Harris, que não tem expectativas exageradas sobre ela, porque não acredita que precise ser perfeita.
"Digo isso porque, muitas vezes, quando uma mulher ou uma pessoa não-branca assume uma posição que, até então, só fora ocupada por homens brancos, criamos expectativas altas demais com eles, mais altas do que teríamos com homens brancos, como eles tivessem que provar algo em especial. Acho importante não fazer isso. Ela é muito inteligente, muito competente, e espero que ela se torne presidente, mas, ao mesmo tempo, não acho que ela seja um Messias, não acho que ela precisa ser perfeita, para que reconheçamos que ela se saiu bem", disse.
Essa fala me pegou, porque essa frustração bate ainda mais forte quando encontramos falhas em mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+. Homens com falas equivocadas não geram tanta comoção. Ou, quando geram, ganham defensores pelo direito de errar. Quantos artistas homens são cobrados e responsabilizados por seu posicionamento como Ivete, Claudia Leitte e Ludmilla são? Veja bem, eu reforço aqui que temos que cobrar posicionamento de artista, sim. Mas há até uma desproporção nos alvos.
Precisamos nos livrar da necessidade de colocar pessoas famosas em panteões e depositar nelas as nossas expectativas de perfeição.
Como diz o pagode: "todo mundo erra/ todo mundo erra sempre / todo mundo vai errar". Ter isso em mente é fundamental. Ninguém é perfeito, porque simplesmente é contra a natureza humana. Não podemos fincar em outro ser humano o nosso norte moral, por mais cômodo que isso seja.
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