Por que eu decidi adotar meu filho já adolescente
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Cris, ele é a sua cara. Vocês têm o mesmo sorriso e olhos puxados. Quando o Rafael escuta esta frase logo abre um sorriso lindo e imagético que ele tem. A felicidade que ele demonstra ao ouvir que alguém encontra identificação entre nós dois me deixa toda abobada. Isso porque já ficamos horas nos olhando com cumplicidade em frente ao espelho apontando semelhanças físicas entre nós.
Há alguns meses eu chamo Rafael de filho embora ele tenha acabado de completar 16 anos. Sempre pensei que existem mães para filhos de diferentes idades. Na minha construção do que seria ser uma mãe sempre pairou a ideia de que nem todas as mulheres estão disponíveis para a maternidade e nem todas as que estão querem ser mães de crianças pequenas.
Eu sempre desejei ser mãe, mas nunca desejei verdadeiramente uma gestação e nem ter um bebê em meus braços amamentando de hora em hora a noite toda. Muitas das narrativas de filhos que enfeitaram as minhas brincadeiras infantis eram, na verdade, resultado de uma idealização que a sociedade havia determinado para mim.
Nós, mulheres, somos estimuladas desde criança a acreditarmos que filhos são um sonho de todas nós. Qual será o nome do seu filho? Você terá um menino ou menina? São perguntas que fazem parte do nosso cotidiano desde a infância e somos condicionadas a pensar que filhos são parte indispensável na vida de uma mulher.
Como não me via embalando uma criança com menos de cinco anos nos braços optei por uma maternidade via adoção. O termo utilizado atualmente para definir a adoção de um adolescente é a adoção tardia. Eu, particularmente não gosto desta palavra "tardia", que significa tarde, moroso, lento. Quem define qual a hora certa de uma pessoa ser adotada? Quem define a idade para que uma pessoa possa fazer outras felizes através da construção de um ambiente familiar?
Em todo o Brasil, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça, pouco mais de 31 mil crianças estão abrigadas em casas de acolhimento pelo país. Destas, cerca de 5.200 estão disponíveis à espera de uma família. São crianças que já passaram pela tentativa de reestruturação com a família de origem e, ao final, a Justiça avaliou que a adoção seria uma possibilidade.
Considerando que mais de 36 mil pessoas são pretendentes habilitados no processo de adoção: temos aí uma conta que não fecha. O número de pretendentes é muito maior do que o número de crianças porque a maioria das pessoas que se dispõem a adotar sonha com um bebê rechonchudo, de bochechas bem rosadas no colo.
Adoção não pode ser um desejo material. Quero esta criança que está aqui na prateleira e pronto seremos felizes para sempre. Adoção é sobre amor, sobre disponibilidade de amar, de investir afetivamente numa relação com alguém. Estar livre não só para amar, mas para apoiar o desenvolvimento e descobrir quais as melhores estratégias de criação e educação de filhos.
Quando decidi adotar ouvi de tudo. De elogios a histórias frustradas de famílias que adotaram e foram infelizes. Fui chamada de louca a Madre Teresa de Calcutá. Quem imagina a adoção como um ato de caridade também tende a se frustrar com facilidade.
Desde que eu e o Rafa passamos a construir nossa família tenho recebido inúmeros elogios de pessoas que me endeusam e me parabenizam pelo lindo ato. Não me permito ocupar este lugar de quem transforma o mundo adotando, eu estou apenas dando um novo sentido à minha vida e abrindo a possibilidade de que meu filho faça o mesmo com a dele. Adoção não é um ato primoroso, é apenas uma alternativa para a parentalidade.
Eu amei o Rafael desde o primeiro momento juntos. Não quero romantizar a nossa relação e fazer parecer que tudo é perfeito entre nós, porque não é, mas eu realmente o amei desde o primeiro instante que estivemos juntos. O sorriso que ele me deu na primeira vez que nos vimos pareceu ligar um botão dentro de mim que liberava os melhores sentimentos a cada vez que ele sorria. Fiquei viciada naquele sorriso, em pouco tempo percebi que eu fazia de tudo para que ele sempre sorrisse e despertasse o melhor dentro de mim.
A pergunta que mais ouço é como eu pude adotar um filho já adolescente. Justo numa idade em que não se pode mais moldar a criança da maneira como queremos. As pessoas me fazem esta pergunta como se fosse realmente possível colocar uma criança na forma e moldar o caráter de um filho biológico exatamente como queremos. Elas esquecem que filhos são seres humanos, e cada ser humano tem suas características, suas ambições, seus sonhos.
Claro que o ambiente em que você cria seu filho influencia no indivíduo que ele se torna, mas a própria ciência já explicou que são inúmeros os fatores envolvidos na definição da personalidade de uma pessoa.
Para mim, a maternidade não representa a possibilidade de educar uma pessoa exatamente como eu quero que ela seja. Eu nunca desejaria que meu filho tivesse o enorme peso de, ao fazer suas escolhas, nunca me decepcionar.
Eu estaria criando um sujeito fadado a frustração. Quero viver este amor acalentador que a maternidade vem me proporcionando com as angústias e dificuldades que acompanham o processo diariamente, mas com a certeza de que estou fazendo o que está ao meu alcance para que meu filho possa descobrir a felicidade a qualquer momento da vida dele, tenha ele a idade que tiver.
Adoção é sobre ressignificar, sobre amar alguém que nos transforme no melhor que podemos ser. Parafraseando Mano Brown, eu e Rafael estamos formando a verdadeira família brasileira. Dois contra o mundo, mãe solteira de um promissor dono do mundo.
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