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Cris Guterres

Deitada em uma cama de pregos: por que preferimos sofrer em vez de mudar?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

15/09/2020 04h00

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Nem sempre mudar é algo que fazemos com energia positiva e coração e mente abertas para receber o novo. Eu passo por um processo tenebroso antes de qualquer mudança em minha vida. Primeiro eu sempre surto, tento negar a possibilidade de mudar. Minha mente cria situações desagradáveis até que eu percebo os gatilhos e me acalmo.

Mudança vem do latim "mutatio", significa trocar de lugar. É o efeito ou o ato de se dispor. Você precisa estar disposto a mudar para que esta troca de lugar não te faça sofrer tão intensamente. E, muitas vezes, para mim, esta é a parte mais difícil. Entender que a disponibilidade para o desconhecido pode ser mais evolutiva do que me manter na dor que já conheço, a tal zona de conforto.

Maitê, uma amiga psicóloga, definiu muito bem a famosa zona de conforto como uma cama de pregos. Estamos deitados sobre uma cama de pregos. Está doendo. Em alguns casos a dor é dilacerante, pois estar deitado sobre um prego nos causará feridas profundas. Ainda com dor, sabemos exatamente onde os pregos nos espetam e machucam. Mesmo que a dor seja intensa, sabemos exatamente onde ela aperta e acaba se tornando mais fácil nos mantermos nesta dor que já nos é familiar do que nos lançarmos com coragem ao desconhecido.

Eu me esforço muito para não me manter deitada sobre os pregos. Depois que tomei ciência desta explicação me senti ainda mais responsável por qualquer possibilidade de me abrir para o novo em minha vida. A conversa com Maitê me obrigou a tomar as rédeas. Já não me cabia mais culpar o outro pelo que não deu certo comigo.

Aliás, esta era uma atitude que eu costumava manter com muita seriedade. Adorava cometer os mesmos erros esperando resultados diferentes, e quando o esperado não acontecia eu procurava um culpado para aliviar a sensação de frustração que pesava arduamente sobre as costas.

Agradeço aliviada por ter mudado de atitude e por esta mudança ter permitido me tornar ainda mais corajosa. É necessário coragem para mudar de atitude e me permitir a um novo aprendizado. Tenho percebido, principalmente agora em 2020, que a capacidade de mudar tem me trazido ainda mais segurança ao invés de medo, pois sem mudança não tem desenvolvimento.

Percebo, principalmente em tempos de pandemia, que somos cobrados para sabermos exatamente a direção em que estamos indo e o que estamos fazendo com nossas vidas. Claro que se não sabemos a direção qualquer caminho serve, e quem segue um caminho qualquer não faz a menor ideia de onde vai chegar. Ter esta relação de incerteza com a vida pode dificultar ainda mais nossa curta passagem neste universo. Mas falo de uma cobrança intensa por controle. Tenha o controle da sua vida, escolha seu caminho e siga nele até o fim.

Para alguns pode ser ótimo, mas o que eu menos quero neste exato momento da minha vida é ter o total controle sobre ela, ando buscando fluidez. Venho questionando este argumento, pois não pretendo manter uma relação de rigidez com a vida, quero justamente conseguir me movimentar sem ansiedade. Quero ter a possibilidade de mudar de ideia, de mudar de casa, de trabalho, de sonhos sem ter a sensação de estar perdida sem saber qual o caminho para o futuro. O caminho para o futuro é aquele que me leva à plenitude.

Ao final da minha jornada, não quero morrer sufocada por uma oração com o verbo conjugado no pretérito imperfeito do subjuntivo: Se eu tivesse mudado e colocado aquela ideia em prática será que eu estava melhor do que hoje? Se eu tivesse me preparado daquela maneira... Se eu tivesse feito outras escolhas... Se eu tivesse me levantado da zona de conforto...

É como canta um intelectual disfarçado de rapper com o codinome de Emicida: "Irmão, você ainda não percebeu que é o único representante do seu sonho na face da terra? Vai, levanta e anda".