Na periferia de São Paulo, as aulas online são um sonho inalcançável
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A expectativa de retorno das aulas presenciais se tornou um dilema no país e tem gerado incertezas em pais, alunos, profissionais de saúde, gestores e em toda a comunidade escolar, seja ela pública ou privada. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas anunciou na última quinta-feira (17) que a partir de 7 de outubro as escolas públicas e privadas poderão reabrir para atividades extracurriculares. Segundo Covas, existe a possibilidade de retorno das aulas presenciais a partir do dia 3 de novembro.
Ainda que existam divergências sobre retornar ou não, temos visto muita discussão sobre quando será feito este retorno e muito pouco sobre como serão aplicados os protocolos de conduta de contenção do corona vírus dentro do ambiente escolar.
As escolas foram as primeiras instituições a se fecharem no início da pandemia para diminuir a circulação de pessoas nas ruas. No entanto, já desde aquele momento não ficaram dúvidas de que educação nunca foi uma prioridade para o atual governo. O Ministério da Educação se ausentou totalmente da elaboração e aplicação de medidas que pudessem garantir o acesso dos alunos ao conteúdo escolar enquanto perdurassem as medidas de isolamento.
Mesmo as conversas sobre o retorno das escolas estão ocorrendo localmente sem uma condução nacional agravando a exclusão dos alunos que estão as margens. Alunos quilombolas, alunos de escolas públicas de bairros em extrema vulnerabilidade nas periferias das grandes cidades, alunos ribeirinhas, alunos de escolas do norte e nordeste do país. Estamos falando de crianças e adolescentes que nem sequer acessaram as aulas online. Um contingente de mais de 8 milhões de alunos que estão de fora do conteúdo e das discussões.
A pesquisa "Juventudes e a pandemia do coronavírus", feita pela Unesco em parceria com outras instituições, apontou que de cada 10 jovens, 2 não estão realizando atividade escolar em casa.
Dentro deste grupo estão os filhos da Joana. Moradora do extremo sul da cidade de São Paulo, Joana é mãe de quatro filhos, três em idade escolar. Chefe de família, ela mantém a casa com a renda conseguida através da venda de materiais reciclados e de valores recebidos dos programas governamentais. Na casa de Joana as aulas online são um apenas um sonho inalcançável. Um celular com a tela quebrada é a única porta que a família tem para o universo da internet. Apenas a filha mais velha de 11 anos já teve acesso a matéria que a professora enviou por whatsApp, mas nem sempre consegue acompanhar o conteúdo por falta de dinheiro para colocar crédito no celular.
Sem poder mandar o filho mais novo de 2 anos para a creche e os mais velhos sem as aulas escolares a família passa o dia nas ruas em busca de materiais recicláveis. "Eu não tenho com quem deixar. Fico com medo de meus filhos ficarem na rua, mas o que eu vou fazer?", questiona Joana.
Joana não é a única mulher que, sem ter com quem deixar seus filhos, leva-os para o trabalho. Foi o que aconteceu com Mirtes, doméstica mãe de Miguel, que morreu vitima do descaso da patroa.
Nós precisamos sim nos preocupar com o retorno das aulas como uma possibilidade de aumento do número de contaminados por Coronavírus, mas não podemos cruzar os braços diante das consequências que é deixar milhares de crianças e adolescentes fora do ambiente escolar.
A escola é um importante aparelho na rede de proteção de crianças e adolescentes em vulnerabilidade. É na escola que muitos dos casos de violência e abuso são descobertos. É olhando para cada rosto, avaliando o comportamento de cada aluno que diretores, professores e demais profissionais do espaço escolar conseguem identificar e agir para proteger alunos que estão sofrendo diferentes abusos no ambiente familiar. É na escola que milhares de alunos brasileiros fazem sua única refeição diária.
Precisamos pensar em medidas de retorno das aulas com urgência e garantir que os protocolos de contenção do coronavirus considerem a volta destas crianças e adolescentes que perdem as poucas possibilidades de sobrevivência cada dia a mais que os portões se mantêm fechados.
O retorno da escola não pode ser tratado apenas como um problema para quem tem filhos, para professores e para os donos de escolas particulares que se vêm desesperados diante da perda de receita após os cancelamentos em massa de matrículas. A escola é uma questão que precisa ser discutida por toda a sociedade. Estamos diante de uma questão nacional e urgente.
A garantia da educação não pode ser um direito negociável.
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