Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mulheres bebem mais na pandemia: nos ensinaram a buscar o abraço em um copo
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Uma rápida pesquisa na internet e você encontrará centenas de reportagens e estudos produzidos nas últimas duas décadas apontando para o aumento do consumo de álcool entre as mulheres. Desde 2010, segundo pesquisa Vigitel, o número de internações em decorrência do abuso etílico aumentou 19% entre as mulheres enquanto entre os homens o índice ficou um pouco acima de 1%. Durante a pandemia não foi diferente.
Nós, mulheres, estamos na dianteira das pesquisas sobre consumo alcoólico durante a pandemia de covid-19. O Alcóolicos Anônimos, irmandade sem fins lucrativos que auxilia homens e mulheres no tratamento do alcoolismo, registrou aumento exponencial de procura por ajuda durante o período — principalmente por mulheres.
Uma zapeada no feed do Instagram e logo aparecem as lindas fotos de mulheres elegantes, felizes em momentos de relaxamento ou em festinhas animadas sempre com suas taças ou copos com bebidas alcoólicas. As publis com receitas de gim tônicas bem aromatizadas com especiarias estão por toda a rede. Taças de vinho no piquenique, caipirinha de frutas exóticas enquanto curtem uma manhã na praia, todos os momentos bem regados a álcool, risadas e belas imagens.
Buscar um abraço no copo de uma bebida é algo que ouvimos e cantamos nas músicas, assistimos em filme e novelas e, muitos de nós, vivenciamos dentro dos nossos lares. Durante a pandemia o álcool saiu do ambiente de festas, bares e restaurantes para se transformar no companheiro de quem perdeu pessoas amadas, o emprego e se endividou ou de quem está angustiado com as incertezas do momento que vivemos.
Se antes bebíamos após do expediente de trabalho, hoje, com o home office, o happy hour é em casa. Para os profissionais que trabalham onde moram é possível esconder uma taça de vinho atrás do computador e seguir trabalhando sem que ninguém perceba.
Mas o seu corpo percebe e se transforma. São inúmeros os danos causados pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas — no organismo feminino, ainda maiores. Médicos apontam para maior incidência de infarto do miocárdio, hepatite alcoólica, obesidade ou dificuldade de engravidar. Isso sem falar nas questões sociais que o álcool nos impõe como maior exposição à violência doméstica. O álcool é um propulsor da violência. Muitos dos crimes são cometidos sob o efeito ou em ambientes onde o álcool é o protagonista.
A primeira vez que uma empresa me procurou para pagar por uma publicidade em minhas redes sociais era uma empresa de bebidas alcoólicas. De lá para cá, recusei diversos pedidos de orçamento por não acreditar que incentivar o consumo vá contribuir para a vida de alguém. É claro que a minha situação financeira me ajuda, não estar precisando desesperadamente do dinheiro pelo job me propicia levantar a bandeira do alcohol-free. Mas o que me motiva muito mais do que isso é a minha própria história.
O álcool na minha vida é um atraso. Primeiro roubei algumas latinhas de cerveja do meu pai na geladeira de casa, ele nem percebeu. Depois, com 15 ou 16 anos, comecei tomando canelinha, uma pinga curtida com canela, no bar próximo da escola enquanto jogava sinuca com amigos. Um pouco mais velha, já na faculdade, eu era a primeira a agitar a turma para largar a aula e ir para o bar.
Como era uma ótima aluna, não enxergava as minhas bebedeiras como um problema. Daí para o alcoolismo foi um pulo, o que não foi tão rápida foi a minha percepção de que eu já tinha entrado num caminho com pouquíssimas possibilidades de volta, a dependência alcoólica.
Por trás de uma dependência existe sempre uma ausência. No meu caso, era baixa autoestima. O álcool me deixava forte, bela, engraçada e me dava uma falsa sensação de liberdade. A tão sonhada liberdade.
Me sentia livre para ser quem eu quisesse, para vestir o personagem que eu escolhesse. E todos eles eram maravilhosos porque a única coisa que não era legal, naquele instante, era ser eu ou estar comigo mesma quando eu estava sóbria.
Para além do meu desejo de querer estar no home office escrevendo este texto com uma taça de vinho rosé ao lado enquanto ouço uma música envolvente, se vão mais de nove anos tentando evitar os milhares de goles que me são oferecidos e os intensamente desejados.
Atualmente, tenho revisitado muito meus sentimentos de insegurança justamente por conta da tristeza que as perdas na pandemia me geraram. Também pelo fato de ser mãe de um adolescente que acha lindo beber uns copinhos de catuaba com os amigos ou entornar um pouco de uísque com gelo de coco enquanto ouve música no último volume.
Mas o que eu quero mesmo te dizer com esta coluna é que se você se identificou com os sentimentos que expus aqui não hesite em pedir ajuda. A vida é uma só e, para mim, é mais tranquila sem álcool. Só assim consigo viver um dia de cada vez.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.