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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Temporada final de 'Insecure': série revoluciona imagem das mulheres negras

Issa Rae é criadora e protagonista da série "Insecure", da HBO  - Getty Images
Issa Rae é criadora e protagonista da série "Insecure", da HBO Imagem: Getty Images

Cris Guterres

Colunista de Universa

17/11/2021 04h00

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Desde o último dia 24 de outubro ninguém consegue me tirar de casa num domingo à noite. O motivo: começou a quinta e última temporada daquela que, para mim, é a melhor série de comédia dramática que eu conheço: "Insecure", da HBO.

Eu sou dessas que, quando ama uma produção, se dedica intensamente a acompanhá-la. Sou uma fã devota de Issa Rae, criadora e protagonista da série. Tenho uma foto dela ao lado de Beyoncé, Rihanna e Oprah Winfrey em meu altar espiritual. A atriz e roteirista conquistou fama internacional com "Insecure", sucesso que estreou a primeira temporada em 2016 e foi indicada ao prêmio Emmy 11 vezes desde 2018.

A trama da série gira em torno das inseguranças de um grupo de jovens negros. Issa utiliza como cenário sua cidade natal, Los Angeles, nos Estados Unidos, onde se desenrolam as histórias. A poucos dias de completar 30 anos, sua personagem Issa se sente perdida diante das decisões que a vida exige que ela tome.

O que faz "Insecure" ser tão espetacular? Para mim, é o fato de que consigo me enxergar nos personagens.

A melhor amiga de Issa é Molly, interpretada pela atriz Yvone Orji. Ela uma advogada que vem alcançando sucesso em sua escalada profissional. Quanto mais se insere no ambiente branco e poderoso dos advogados americanos, mais ela alisa seus cabelos. No entanto, ao longo das temporadas, ela adquire autoconhecimento suficiente para aprender a lidar com suas inseguranças e aparece com seus crespos à mostra.

Outra cena que diz muito para uma mulher negra é quando a Tiffany (Amanda Diva) entra em desespero durante o puerpério do primeiro filho e foge de casa por uma noite, deixando todos desesperados à sua procura. No momento em que o marido a encontra fragilizada num hotel, ela está sem sua lace (sua peruca). Ela aparece na cena chorando com seus cabelos crespos à mostra. Os cabelos representam a exposição de todas as suas vulnerabilidades, é como se Tiffany estivesse nua.

Melhor cena

A quinta temporada mal começou, mas já tenho uma cena candidata a melhor do ano. No terceiro episódio, Lawrence (Jay Ellis) acaba de se tornar pai após um efêmero relacionamento amoroso com Condola (Christina Elmore). Ele sente-se autorizado a determinar e decidir sobre a vida do filho, mesmo não tendo participado da gravidez.

Lawrence aparece no momento em que o filho Elijah nasce. Cheio de si, questiona as escolhas de Condola sem se dar conta das dores geradas pela sua ausência durante a gestação.

Ele se sente o mais participativo dos pais e a todo tempo gaba-se de seus feitos aos amigos, como se estivesse solicitando o troféu de pai do ano. O que ele não sabe é que ser um bom pai exige que suas preocupações com Elijah se estendam para a mãe de seu filho.

Desigualdade

Numa das cenas mais emblemáticas, a tela se divide e somos levados a acompanhar, ao mesmo tempo, um dia na vida dos novos pais. Em 24 horas, Condola lavou a louça, embalou e amamentou o filho, organizou a casa, deu banho na criança, acalmou um choro longo e agudo de Elijah e se contorceu quando tentou respirar nos seus cinco minutos sentada e o filho abriu novamente o berreiro.

Enquanto isso, Lawrence teve um dia de realizações no trabalho, saiu para comemorar com os amigos, bebeu num bar badalado de São Francisco e, ao final da noite, os únicos gritos que ele ouviu foram os sussurros da mulher com quem transou após a festa da empresa. No fim de sua jornada só teve o trabalho de ligar para Condola e dizer que iria ver o menino no final de semana.

Esta cena é um presente para que a gente possa entender um pouco mais sobre as relações estabelecidas entre pais com filhos, vivendo ou não juntos. Após os diversos questionamentos e exigências que, nós mulheres, fizemos para os homens sobre a maneira como vivem sua masculinidade, muitos nos respondem com pedidos de biscoito pelo pouco que fazem. Se acham maravilhosos por não serem ausentes sem perceberem que muitas vezes são presentes, mas são tóxicos.

"Insecure" é a possibilidade de vislumbrar que as histórias possuem outros lados e que a abertura dos canais de televisão para programas escritos por pessoas que sempre estiveram às margens é o que pode salvá-los da concorrência do streaming.

Issa Era, Shonda Rimes, Lena Waithe, Michaela Koen, Viviane Ferreira, Leigh Devanport, Sabrina Fidalgo, Camila de Moraes, Renata Martins, Naruma Costa e Juliana Vicente são expoentes desta geração. Procure pelas produções destas mulheres, você vai entender o que estou dizendo.