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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Faça o teste e descubra se você é um hétero top

"BBB 22": Lucas perguntou a Linn se é "hétero top" e se isso é bom ou ruim - Colaboração para Splash, em São Paulo
"BBB 22": Lucas perguntou a Linn se é 'hétero top' e se isso é bom ou ruim Imagem: Colaboração para Splash, em São Paulo

Colunista do UOL

23/02/2022 04h00

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Você já se questionou se é um "hétero top" nos últimos dias? Ah, me desculpe se você não se identifica como heterossexual e nem com o gênero masculino. Mas talvez queira saber: alguém com quem você convive está na caixinha dos "topzera"? Então vem comigo que eu tenho umas questões para você responder no nosso quizz de personalidade do macho alfa.

Responda sim ou não para as questões abaixo:

  1. Como você se comporta na balada quando vê uma mulher que te agrada? Se você faz aquela pose sensual de jogar o peso do corpo em uma das pernas, estufar o peito e olhar para ela sensualmente lambendo os lábios e passando a mão na virilha, marque um sim.
  2. Na academia, vai de regata, se admira em frente ao espelho e coloca mais peso do que o recomendado no aparelho?
  3. Na hora de se divertir com os amigos, é churrasco e cerveja?
  4. E o pênis? Nenhum problema em falar do seu pênis, afinal, é seu instrumento de trabalho, por isso é importante dizer por aí que ele é grande? Inclusive, coçar o saco em público reforça esse ideal?
  5. Você usa sapatênis sem meia?
  6. Usa sapatênis sem meia, com bermuda, camisa polo e boné?

Se você respondeu sim a alguma dessas perguntas, não posso afirmar que você é um hétero top, mas já posso dizer que existem algumas atitudes nocivas no seu comportamento que fazem com que você seja aquele tipo de homem cuja existência, graças à evolução do universo, vem sendo questionada com bastante intensidade, principalmente pelas feministas que você odeia.

Posso dizer que o "BBB 22" tem jogado pimenta nos seus olhos orgulhosos e deixado meninos, como você, cada vez mais tensos.

Vamos falar novamente de "BBB" e lembrar de Joice Berth, nossa brilhante urbanista e intelectual, que me ensinou que falar do reality show é não só esfregar na cara da sociedade que você tem tempo para assistir o programa que muitos dizem ser fútil, mas também analisar alguns comportamentos sociais do nosso dia a dia.

O hétero top, por exemplo. Desde que o assunto virou pauta no programa, as buscas no Google pelo termo cresceram mais de 400%. Teve muita gente querendo saber se é bom receber a plaquinha de topzera ou não quando Eliezer, após beijar as sisters Maria e Natália, revelou sua preocupação em ser visto como um pelo público. Só o fato de Eliezer ter se preocupado já demonstra que existe algo turvo no ar. Nesse caso, seria a pouca ou a ausência de responsabilidade afetiva com as mulheres com quem ele se relaciona.

Outro brothers usaram o termo em seus vídeos de apresentação, como Gustavo, que se orgulhou com excessivo entusiasmo por ser hétero e top no seu vídeo — depois, a assessoria declarou que ele foi obrigado pela Globo a gravar a fala. Mas quem assiste ao programa já sabe exatamente que tipo de macho ele demonstra ser. Outro que ajudou a alavancar as buscas pelo tema foi Lucas, que recebeu, dentro da casa, o carimbo de hétero top da sister Linn da Quebrada.

Quando a gente fala deste ser, estamos nos referindo a um comportamento que, durante toda a nossa existência, foi designado como normativo, normal, mas que hoje, diante das descobertas que fizemos, é extremamente nefasto.

O topzera é heterossexual e exerce a dominação com relação às mulheres, e a coçada no pênis é a demonstração de que está sempre pronto para o sexo.

Esse homem não chora, não erra, não limpa a casa, não lava a louça nem abaixa a tampa da privada. Ele tem uma mulher que sempre fará isso, e ele vai escolher para combinar com seu sapatênis as camisas polo de uma certa marca que traz na orientação de lavagem da etiqueta a frase: dê para a sua mãe, ela sabe como fazer isso bem.

Ser hetero top é ser um homem que se recusa a entender que a sociedade evolui e que uma das maiores mentiras que já lhe contaram é que foi criado à imagem e semelhança de Deus. Alguns chegam até a ser chamados de mito, colocam seus filhos em cadeiras eletivas e vestem a faixa presidencial.

Para além de estar associado a esta imagem, os homens que gostam de carregar o termo top são brancos, uma maioria de jovens e de classe média alta.

São homens que questionam as conquistas femininas e se colocam como vítimas diante dos avanços da parcela oprimida da sociedade: pessoas negras, pessoas com deficiência e o grupo LGBTQIA+. Homens que sempre se valeram da inferiorização do outro para construir suas próprias histórias de superioridade.

"A ideia de hetero top, assim como o ideal do que seja um homem, inclusive do que seja um homem descontruído nesta sociedade, não considera performances masculinas negras. O padrão de comportamento do que seja ser um homem maneiro é sempre ensaiado para o homem branco, pois além de todas as violências em que se baseiam a construção de identidade masculina branca, este lugar da mediocridade é protegido pela sociedade por ele ser branco", me disse o apresentador e influencer Roger Cipó.

Essa mediocridade a qual Cipó se refere é um lugar construído pelo privilégio que confere sucesso e vitórias só por ser homem e branco. São as palmas no fim do dia para aquele que chegou em casa após o trabalho e lavou a louça do jantar enquanto ela trabalhou o dia todo, cuidou dos filhos, lavou a roupa, limpou a casa, fez a lista de compras do mercado e ainda foi na manicure e na academia porque, se ela não for gostosa, o marido vai procurar sexo fora de casa.

O macho top será sempre aquele que não mudou, que permaneceu num passado nocivo e que, ao ver suas palmas do final do dia ameaçadas, fará motociatas, gravará vídeos atacando as mulheres que lutam por equidade de gênero e promoverá falas, gestos e partidos nazistas.

Confesso que embora eu tenha me aproveitado do termo hétero top para questionar sexismo, misoginia e racismo, sou contra o uso de termos pejorativos para categorizar pessoas. Acredito que além de reproduzirmos uma série de preconceitos, por diversas vezes, não nos permitimos refletir sobre a mudança necessária para que possamos promover transformação social para todos.

Se a maioria das suas respostas para as perguntas no início deste texto foi sim ou não eu nunca saberei, mas espero que você consiga pensar para além do que importa a si mesmo e refletir sobre qual o seu real tamanho dentro da comunidade da qual faz parte. Topzera, top, hetero, cabra macho, macho alfa são homens que também agridem e matam mulheres diariamente. No final das contas, o que quero com tudo o que produzo é que os números de mulheres que sofrem violência sejam zerados. Nenhuma mulher merece sofrer.