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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Trabalhadora leva tapa por atraso: Brasil permanece no período colonial

Patrícia Peixoto prestou depoimento na 42ª DP, no Rio de Janeiro - Reprodução/ PCRJ
Patrícia Peixoto prestou depoimento na 42ª DP, no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/ PCRJ

Colunista de Universa

27/07/2022 04h00

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A igualdade de direitos das trabalhadoras domésticas é uma das lutas travadas intensamente pelo movimento de mulheres negras. Os direitos adquiridos com a PEC das Domésticas em 2013, por exemplo, são uma conquista desta articulação de mulheres, em sua maioria mulheres negras.

Na semana em que comemoramos uma data importante que serve de base para o alcance dessas conquistas, o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, em 25 de julho, somos tomadas pelas imagens aterradoras de uma trabalhadora doméstica sendo agredida verbal e fisicamente por seu contratante dentro do elevador.

Patrícia Peixoto prestou depoimento na 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes), no Rio de Janeiro. As imagens das câmeras de segurança confirmam o depoimento de Patrícia, que declarou ter sido agredida verbalmente e com um tapa no rosto pelo Major Bruno Chagas, da Polícia Militar, após ter chegado ao trabalho com 20 minutos de atraso.

"Desde o início, quando entramos no elevador, ele já estava me agredindo com palavras, me chamando de vários tipos de nomes. (?) Ele também falou que eu podia dar parte dele, que não ia dar nada pra ele, porque ele é major da PM (...) Deixei minha filha que eu tenho, de um ano, com pneumonia em casa. Tinha sido uma noite horrível. E deixei ela em casa pra ir trabalhar e levar um tapa no rosto de uma pessoa", afirmou Patrícia durante entrevista ao RJ1, da TV Globo.

A agressão aconteceu no último dia 18 de julho. As imagens da câmera registraram o Major coagindo Patrícia com o dedo em riste até o canto do elevador e o exato momento em que ele dá um tapa em seu rosto.

A violência sofrida por ela pode nos deixar incrédulos, mas infelizmente faz parte de um Brasil que insiste em manter uma relação de exploração com empregados domésticos nos moldes das relações estabelecidas no período colonial.

É de se assustar que as trabalhadoras domésticas só conquistaram direitos como jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, férias remuneradas e horas extras em 2013. Menos de 20 anos marcam um momento importante para o fim de relações de trabalho baseadas em promessas e não conseguimos colocar um ponto final em vínculos empregatícios que se conduzem com diferentes formas de discriminação, assédio, violência e baixa remuneração.

Embora tenhamos um número grande de mulheres em luta por assegurar os direitos conquistados recentemente pela categoria, ainda estamos longe de remunerar de maneira decente e de proporcionar ambientes de trabalho seguros para estas trabalhadoras.

Se analisarmos alguns dados do período colonial perceberemos que ainda vivemos o reflexo de uma cultura escravocrata. Um recenseamento elaborado no Brasil imperial de 1872, 16 anos antes da Lei Áurea que decretou a libertação inconclusa dos negros escravizados, apontou que 46,67% da população escravizada na cidade do Rio de Janeiro atuava nos serviços domésticos —destes, 70% eram mulheres.

Quase 150 anos depois estamos diante de uma realidade muito parecida. Segundo estudo feito em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a ONU Mulheres utilizando dados históricos do setor de 1995 a 2015, quase 7 milhões de trabalhadores se dedicam a serviços como diarista, jardineiro, cuidadores, motoristas, babás, mensalistas ou quaisquer outros profissionais contratados para cuidar dos domicílios e da família de seus empregadores. Destes, 92% são mulheres, em sua imensa maioria negras, com baixa escolaridade, exercendo um trabalho doméstico precário com baixíssima remuneração e muitas vezes análogos à escravidão.

A casa de família amplia as dimensões da violência pela dificuldade de fiscalização das relações de trabalho que lá se estabelecem.

Estas e outras problemáticas que cercam o trabalho doméstico podem ser estudadas no texto "Quem lava a sua privada?", da jornalista Bianca Santana, que faz parte do livro recém-lançado pela editora Fósforo: "Arruda e guiné: Resistência negra no Brasil contemporâneo".

Bianca é uma importante pensadora que desde 2014 tem publicado textos sobre organização popular, PEC das domésticas, golpe de 2016, assassinato de Marielle, perseguição de ativistas, expansão da consciência negra ou enfrentamento ao ódio racial, social, de gênero. Todos temas importantes para quem se disponibiliza a repensar as relações de trabalho no Brasil e se destina a erradicar situações em que Patrícia não seja agredida no trabalho por ter passado a noite acordada cuidando de sua filha.