Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ouvi a vida toda que preciso ser magra, agora sou obrigada a me amar?
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Responda rápido e com sinceridade: se você pudesse escolher entre perder os quilos que acredita ter em excesso no seu corpo ou comprar um carro zero de alto padrão, o que você escolheria? Para muitas de nós, não é fácil responder a essa pergunta. Para mim, definitivamente, não é. Quanto mais me vejo avançando profissionalmente, mais me sinto presa na ideia de como o meu corpo deveria ser.
A visão deturpada do nosso corpo é algo que qualquer ser humano pode vivenciar, mas só as mulheres é que são escravas em massa. Uma recente pesquisa realizada com homens brasileiros pela revista "GQ" revelou que só 3% dos entrevistados se acham feios. Um estudo desenvolvido pela Kantar, empresa de dados, insights e consultoria, constatou que o número de brasileiras que sofrem com a autoestima baixa chega a 20%.
O que faz os homens terem essa autoestima tão alta quanto o monte Everest? Um combo de opressões entre machismo e racismo. Não há outra resposta que não as questões de raça e gênero que estão definindo quem é ou não bonito há centenas de anos. São as capas de revista, as novelas, as músicas que esterotipam os sujeitos.
No jogo das vaidades que estabelecem as estruturas sociais de quem é ou não desejável, as mulheres são as marionetes que tentam buscar equilíbrio a qualquer custo. Se esquivam das opressões que vão desde o ser magra para ser desejada até a imposição do "body positive": ame-se como você é.
Depois de ouvir a vida toda que era feia, agora sou obrigada a me aceitar e me amar, como em um passe de mágica? Dormiu se achando inadequada e acorda feliz se sentindo linda e perfeita sem precisar de terapia.
Miga, deixa eu te contar que as imagens de beleza sempre foram e sempre serão usadas contra você. Talvez isso não seja novidade pra ti, mas você não precisa fazer da sua mente uma prisão onde as imagens de você feliz estão sempre relacionadas ao peso que você não tem, a cintura fina que você ainda não alcançou ou aos seios perfeitos que a cirurgia ainda não te proporcionou. Veja bem, eu não estou dizendo para você abandonar todas as ideias de dieta ou de cirurgia plástica, só estou dizendo para você não esperar esses momentos acontecerem para ser feliz.
Quando o assunto é transtornos alimentares, as mulheres são as mais vulneráveis a essas doenças que promovem uma mudança na forma com que a pessoa se relaciona com a comida. Compulsão alimentar, bulimia, anorexia são doenças que estão sendo diagnosticadas com maior incidência e cada vez mais cedo nas mulheres, que têm nove vezes mais ocorrência de anorexia e bulimia do que homens.
Escolher perder peso a ter um carro de alto padrão ou a ascender profissionalmente diz muito sobre as mulheres que estamos formando. Embora grande parte de nós seja forte o suficiente para enfrentar a luta por nossas liberdades, ainda caímos nas armadilhas do patriarcado. Sem generalizações, não é porque eu me comporto assim que todas nos comportaremos. Muitas de nós estão felizes com seus físicos ou estão com problemas demais para pensar em perder peso. Um desses problemas pode ser até mesmo decidir o que vai comer na próxima refeição. Por vezes me sinto inadequada falando de autoestima em um país onde 46,8% dos lares chefiados por mulheres negras sofrem com insegurança alimentar.
Mas eu ainda preciso falar em voz alta sobre essa questão do peso, para que eu mesma possa ouvir. Pedir a sobremesa sem se justificar na hora do almoço com os colegas de trabalho. Não estar de dieta numa segunda-feira qualquer, não comprar roupas com números menores forçando uma perda de peso através da pressão econômica são comportamentos que eu ainda quero alcançar.
Já que você leu até aqui, posso ser sincera contigo: escrevi tudo isso como se estivesse dando um chacoalhão em mim mesma. Tenho muito que aprender sobre como não odiar o meu corpo, como não me comparar com imagens photoshopadas de mulheres magras, tenho muito que aprender sobre me amar.
Agora vou almoçar que não dá para lutar por liberdade com fome.
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