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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Pintou um clima' fez voltar meu trauma por ter sido abusada quando criança

Declaração de Bolsonaro de que "pintou um clima" com adolescentes foi dada em entrevista ao canal de YouTube Paparazzo Rubro-Negro - Reprodução
Declaração de Bolsonaro de que "pintou um clima" com adolescentes foi dada em entrevista ao canal de YouTube Paparazzo Rubro-Negro Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

19/10/2022 04h00

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Jair Bolsonaro assumiu diante das câmeras que "pintou um clima" com meninas venezuelanas entre 14 e 15 anos enquanto passeava de moto em Brasília. Isso me lembrou das diversas situações de abuso sexual infantil de que fui vítima com minhas amigas quando éramos crianças voltando da escola. Mais de uma vez, corremos de homens que viam meninas andando na rua, vestidas com uniforme escolar, e entendiam que "pintou um clima".

Eles se sentiam no direito de nos abordar, algumas vezes com a violência do pênis ereto para fora da calça, outras nos convidando para entrar no carro com eles.

Nós corríamos o mais rápido possível e ficávamos sempre com um sentimento de nojo dos nossos corpos, uma vergonha de ser o que éramos, um sentimento de culpa inexplicável que revisito neste exato momento, numa tentativa de entender como, ainda, algumas mulheres são capazes de defender um homem que valida condutas criminosas contra nós e enxerga o estupro como uma conduta viável para corrigir nosso comportamento.

Há tempos venho escrevendo neste espaço sobre o poder das mulheres para decidirem as eleições presidenciais no Brasil. Formamos o maior grupo eleitoral do país e estamos diante de uma escolha pelo nosso direito à vida e à humanidade.

Ser mulher em terras brasileiras é conviver com a perversidade da cultura do estupro e o fantasma do abuso sexual desde a infância. Somos vítimas de crimes hediondos que são cometidos sob o silêncio da escuridão, mas declarados em praça pública com orgulho pelos machões.

Jair Bolsonaro é um deles.

Ele, como chefe maior da nação, diz que tem o combate ao abuso sexual infantil e ao crime de estupro como bandeiras do seu governo. No entanto, faz apologia aos crimes e já expôs criança durante uma live com insinuações sexuais. No discurso do dia 7 de setembro, mais sexo: fez a multidão gritar, em coro, que era "imbrochável".

Muito antes, em 2003, disse à então deputada federal Maria do Rosário (PT-RS): "Não te estruparia porque você não merece". Em 2019, após ser eleito, ele foi obrigado pela Justiça a se desculpar com ela.

Por isso, repito: fico estarrecida quando, ainda, diante de todas estas atrocidades, vejo mulheres defendendo ativamente a campanha de reeleição de Jair Bolsonaro. Mulheres que compactuam com este senhor, que passam pano, rodo, vassoura para condutas criminosas como estas são apoiadoras de seus próprios algozes.

Como nós podemos aceitar que um homem de 67 anos se orgulhe de contar que se insinuou para meninas de 14, 15 anos, que poderiam ser nossas filhas, nossas irmãs, nossas sobrinhas ou nós mesmas? Isso é inaceitável.

A violência sexual infantil é uma epidemia no Brasil. Desde 2019, quando o Fórum Nacional de Segurança Pública conseguiu separar os dados de crime de estupro do crime de estupro de vulnerável pudemos ter uma visão mais detalhada desta barbaridade que vitimiza nossas crianças.

O levantamento daquele ano mostrou que 53,8% dos crimes de estupro registrados no país foram cometidos contra meninas com menos de 13 anos de idade. O número segue alto até hoje, e chegamos ao dado de que, a cada 15 minutos, uma garota dessa faixa etária é estuprada no Brasil.

É imprescindível que a gente compreenda que, quando este homem diz "pintou um clima", o único clima que pintou numa situação como a descrita por ele foi o de pedofilia.

Votar em Bolsonaro é se permitir ser cúmplice de seus abusos. E não me venha dizer que não vota em Lula porque ele é corrupto. Pois de corrupção e milícias, Bolsonaro entende mais do que qualquer brasileiro.