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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mãe macumbeira, filho evangélico: intolerância religiosa se combate em casa

Colunista de Universa

05/04/2023 04h00

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Aqui na minha casa somos uma família que cultua diferentes religiões. Sou uma praticante orgulhosa do candomblé, meu irmão é católico e meu filho frequenta uma igreja evangélica neopentecostal, onde foi batizado quando criança.

Sou mãe por adoção, e o Rafael se uniu à minha vida já na adolescência. Trouxe suas referências religiosas, apresentadas na infância, e que, neste momento de sua trajetória, tem feito questão de preservar.

Algumas pessoas se mostram admiradas pela forma como pessoas da mesma família convivem harmoniosamente com suas escolhas religiosas. A surpresa me pareceu uma demonstração evidente da intolerância religiosa que vivemos em nosso país.

O respeito às escolhas de meu filho foi algo que aprendi na prática em minha infância. Minha mãe me obrigou a ser católica, ela dizia que enquanto eu fosse criança teria que frequentar o mesmo culto religioso que ela e que, na adolescência, poderia escolher minha própria religião.

E ela realmente respeitou minha decisão quando, aos 15 anos, decidi fugir da Igreja Católica por não encontrar nela uma acolhida para os desafios que vivia na época. Queria conversar sobre gravidez precoce, e a igreja me ensinava que o celibato era o melhor contraceptivo. Eu enxergava o atraso de uma religião que tentava me doutrinar e cujo histórico decisivo na escravização dos africanos me incomodava tremendamente.

A Constituição de 1988 garantiu a liberdade religiosa e a livre manifestação de cultos, templos e diferentes liturgias. Mas, apesar da garantia, os crimes em razão da religião aumentaram exponencialmente no país. Nos últimos dois anos, o número de registros de casos de intolerância religiosa cresceu cerca de 45%, e as principais vítimas são os praticantes de religiões de matrizes africanas.

Também vivemos um momento em que a religião neopentecostal vem sendo utilizada com frequência em apoio ao discurso de ódio e para o fortalecimento da extrema direita no país. Estamos assistindo a pastores utilizando a fé cristã para fortalecer presença política.

Meu medo, como mãe, é de que meu filho confunda os valores religiosos, seja impulsionado a odiar outras religiões e a acreditar em mitos que se sobrepõem a qualquer ser humano. Mas o que me conforta é a certeza de que a liberdade, pelo menos dentro de casa, está garantida para ele acreditar no poder superior que lhe convier.