Topo

Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De inimiga do fim a mulher do lar: já não preciso de balada pra ser feliz

Colunista de Universa

03/05/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Não faltam memes na internet para tirar sarro do comportamento do jovem com mais de 30 anos na balada. Aquele que antes se refestelava numa noite intensa regada a muita dança, bebida e outras loucuras, agora, anda querendo cadeira, som baixo e luzes fracas para não descompensar a labirintite.

Eu, que já passei dos 40, refiz as pazes com o fim. Não sou mais aquela que insistentemente pede o último drinque, mesmo quando bartender já guardou as garrafas. Nem a que sai da festa ajudando o DJ a enrolar os fios. Virei uma mulher do lar. Se alguém me convida pra sair, vou logo oferecendo minha casa que tem comida gostosa, banheiro limpo, som baixo, luzes comportadas e lugar pra sentar.

Saí dois dias seguidos no último feriado, do Dia do Trabalho, e vou levar um mês inteiro para me recuperar desse exagero. Estava quase pedindo que o DJ abaixasse o som, o técnico tirasse as luzes e o gerente me arrumasse uma cadeira. Nem bebi porque sabia que ia passar mal, não tenho mais corpo físico nem psicológico. Meu fígado grita logo às 8h da manhã antes do trabalho, imagina depois de uma noitada.

Acabo me estranhando, pois já fui do after do after do after. Quando era mais nova, dizia que ia levar meu filho para a balada. Hoje, se ele me convida pra dar um rolê, digo que estou com dor de cabeça e tento convencê-lo a assistir Netflix. A festa pra mim não acabava nunca, muitas vezes chegava em casa na metade da tarde do dia seguinte. Hoje, sinto alívio quando vejo aquele pessoal que às 8h da manhã está na calçada com copo na mão enquanto estou indo comprar o pão. Ainda bem que essa aí não sou mais eu.

Aquela que na juventude saía de quarta à domingo, hoje sai e está de volta em casa de pijama antes do programa do Serginho Groisman começar. Altas horas só se for na televisão. A pandemia fez acelerar, e muito, esse processo. Nos dois anos que fiquei em casa sem sair para me divertir, só pensava na minha volta triunfante para os braços da noite faceira de São Paulo. Quando os bares reabriram, tive um choque anafilático na primeira saída. A friagem me resfriou, o drinque me engasgou e a dança me cansou. Fiquei uma semana mancando depois de duas horas sobre o salto alto.

Foi importante pra mim refazer as pazes com o fim e entender meus limites. Antes, era uma jovem inconsequente, sem o menor amor ao meu fígado, meu corpo e à minha segurança. Agora, embora sempre cansada, me sinto mais ciente de até onde quero ir. E aqui a brincadeira pode ser com a balada, mas é possível fazer um paralelo mais amplo e entender que os anos, pelo menos pra mim, passaram e me trouxeram algo muito mais rico e importante do que uma noite infinita de curtição: maturidade e autoconhecimento.