Calça apertada e gente abusiva: ninguém precisa se acostumar com sofrimento

Um sapato alto mastigando o seu pé o dia todo, uma cinta para diminuir a barriga e moldar o seu corpo que te aperta e dificulta a respiração, um sutiã que te deixa marcas e que em algumas partes do seu corpo já fez calos tamanho o atrito. A dor da depilação mensal, o incômodo de um aplique capilar. Eu posso citar inúmeros desconfortos pelo qual passamos e a que muitas pessoas, assim como eu, já se acostumaram e as normalizaram como parte de suas vidas cotidianas.

Mas a questão que quero trazer aqui vai muito além da dor física que sentimos com os desconfortos que suportamos. Quero te falar sobre como naturalizar estes desconfortos pode dificultar o entendimento dos nossos limites. Quem me auxiliou nessa compreensão foi a psicanalista Manuela Xavier. Dias atrás, durante o lançamento da campanha de Yves Saint Laurent Abuso não é Amor, Manuela conversou com os convidados sobre relacionamentos abusivos e uma das frases dela que mais me abriu os olhos para essa questão foi: "Se a gente naturaliza a calça apertada e o sapato insuportável, acaba naturalizando o desconforto dentro de um relacionamento abusivo".

Nós naturalizamos o desconforto em diferentes aspectos da vida, como no trabalho, na família e nos relacionamentos pessoais. Tudo começa de forma gradual, quando pequenos incômodos vão se repetindo ao longo do tempo. Pode ser situações de pai pra filho e vice e versa, pode ser uma colega de serviço que sempre deixa o trabalho dela sobrar pra você fazer ou pode ser dentro do seu relacionamento amoroso. O fato é que essas situações se tornam comuns, e nós começamos a minimizá-las, justificá-las ou até mesmo nos culpar pelo ocorrido.

Se nos acostumamos a tolerar comportamentos prejudiciais, como controle excessivo, manipulação emocional, agressão verbal ou física, passamos a aceitar essas atitudes como normais ou inevitáveis. Não amiga, nunca foi normal você viver parecendo estar dentro de uma montanha russa emocional quando está se relacionando afetivamente com alguém. Toda esta ansiedade e insegurança que você sente é um desconforto para o qual você precisa olhar com atenção.

Relacionadas

'Queria ser lésbica':  por que devemos banir esse tipo de comentário

Como um vestido azul mudou minha vida e me fez repensar relação com o corpo

Cátia Fonseca de biquíni aos 54 choca mais do que Al Pacino pai aos 83?

As normas culturais também nos influenciam e podem minimizar ou ignorar certos comportamentos abusivos. Acreditar que é normal um parceiro controlar o outro ou que a violência doméstica é uma questão privada é uma crença errônea que reforça a ideia de que o desconforto faz parte do relacionamento e impede que as pessoas reconheçam os sinais de abuso. Se você está numa relação em que se questiona se está ficando louca, muito provavelmente você está num relacionamento abusivo.

Nós temos o direito de viver relacionamentos saudáveis, baseados no respeito, no diálogo e no amor. Reconhecer os sinais de desconforto e abuso não é fácil, mas é fundamental para interromper o ciclo negativo. Busque apoio, se livre do sapato apertado e do boy abusado. Se desfaça do sutiã que te machuca e finalize todas as relações com as amigas que não te deprimem.

Em todas as relações existem desconfortos, mas não é aceitável viver uma em que o incômodo te faz perder os limites de quem você é.