Cobertura jornalística equivocada gera preconceito com famílias adotantes
Nos últimos dias, um crime chocante ocorreu na Vila Jaguara, zona oeste de São Paulo. Um adolescente de 16 anos confessou ter assassinado sua mãe, pai e a irmã a tiros. Este caso trágico está sendo amplamente divulgado pela mídia, que não hesitou em destacar repetidamente que o assassino confesso é filho adotivo.
Essa ênfase desnecessária levanta questões importantes sobre a responsabilidade da imprensa na formação de narrativas e estigmas sociais.
O uso da palavra "adotivo" em manchetes e reportagens, especialmente em casos criminais, pode carregar um preconceito implícito e desnecessário. Quando Suzane von Richthofen, filha biológica, matou seus pais em um dos casos criminais mais notórios do Brasil, a mídia não sentiu a necessidade de enfatizar que ela era "filha biológica".
Destacar que uma pessoa é adotiva em contextos negativos perpetua um estigma que já é carregado de preconceito. A adoção é uma forma legítima de formação familiar e, ao ressaltar o status de adoção em um crime, a mídia inadvertidamente sugere uma ligação entre adoção e comportamento desviante.
Esse tipo de cobertura sensacionalista pode reforçar estereótipos e aumentar o preconceito contra famílias adotivas e crianças e adolescentes adotadas ou à espera de adoção.
Neste caso em específico, o fato de o adolescente ser adotado não tem relevância direta para o crime cometido. Crimes são atos individuais e complexos, influenciados por uma variedade de fatores psicológicos e sociais.
Nós, jornalistas, precisamos ter uma responsabilidade ética de relatar fatos sem alimentar preconceitos. Exemplos de boas práticas incluem reportagens que tratam os indivíduos de maneira igualitária.
Eu, além de jornalista, sou mãe por adoção e sou humana. Evidente que fiquei estarrecida e chateada com este crime bárbaro que estampou os jornais, mas como mãe por adoção eu senti ansiedade e medo com os comentários e argumentos que li a respeito do fato do jovem ter sido adotado.
É importante lembrar que termos como "adotivo" devem ser usados com sensibilidade. Eles têm lugar em reportagens que discutem a adoção em si, sua importância e desafios, mas não em casos em que sua menção é irrelevante e prejudicial. A adoção deve ser celebrada como uma forma de criar laços familiares e não como um detalhe a ser explorado negativamente em contextos criminais.
A forma como a mídia utiliza termos relacionados à adoção pode ter um impacto significativo na percepção pública e na manutenção de estigmas. Reconsiderar o uso de adjetivos que não acrescentam valor à narrativa e que, ao contrário, podem perpetuar preconceitos e estereótipos é um dever do jornalista. Reportar de maneira justa e equilibrada é um passo importante para promover uma sociedade mais inclusiva e compreensiva.
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