Eleições nos EUA: o que sobra se não acreditam na justiça, ciência ou voto?
A derrota de Kamala Harris para a presidência dos Estados Unidos revela o quanto é desafiador para uma mulher negra chegar ao cargo mais alto da política americana. Nem mesmo o apoio de figuras icônicas como Beyoncé rompe as barreiras de racismo e sexismo ainda tão presentes nas estruturas do poder e na sociedade.
Esse resultado mostra que, embora muita gente celebre a representatividade, ela ainda encontra resistência nas urnas. É como se cada passo em direção à igualdade precisasse ser constantemente reafirmado.
A candidatura de Kamala trazia um sinal de mudança: a presença de uma liderança feminina negra em um espaço onde o poder sempre foi branco e masculino. Não era só sobre uma governança mais diversa, mas uma mensagem para mulheres e grupos oprimidos que ainda se veem fora dos espaços de decisão. Mas as reações à sua campanha e as barreiras invisíveis mostraram o quanto o poder resiste à ideia de igualdade como algo prático e real.
Trump se candidatou três vezes. Ele venceu duas mulheres, Hillary Clinton em 2016 e agora Kamala Harris, e só foi derrotado por Joe Biden. Isso aponta para uma questão delicada sobre poder e gênero na política americana: a barreira para que mulheres, especialmente mulheres negras, alcancem o topo do poder ainda é quase intransponível.
Mesmo em campanhas históricas, em contextos distintos, essas duas mulheres com propostas progressistas enfrentaram a mesma dificuldade: vencer um candidato que apela a uma base conservadora e se beneficia de expectativas tradicionais sobre quem deveria ocupar a presidência.
A vitória de Trump reflete uma sociedade em crise com sua própria identidade, disposta a ignorar sinais claros de autoritarismo e exclusão. E isso levanta uma pergunta essencial: o que acontece com a democracia quando a retórica do medo e do ódio vira norma? Isso é especialmente preocupante para quem vê sua existência e liberdade ameaçadas, uma realidade que também cresce aqui no Brasil.
Não se trata apenas de Trump ou de política. É sobre como uma nação pode ficar presa nas próprias contradições. Esse uso do medo e da desinformação para manter o poder cria uma atmosfera de cinismo que corrói a confiança - o que é fundamental em qualquer democracia. O que sobra quando as pessoas já não acreditam mais na justiça, na imprensa, na ciência ou no voto?
O problema fica ainda mais sério quando a gente pensa no impacto global. O negacionismo ambiental, as políticas excludentes, as teorias conspiratórias e os discursos de ódio se espalham como uma epidemia. E isso não afeta só os Estados Unidos; inspira lideranças em outras partes do mundo, inclusive aqui.
Aliás, falando no Brasil, onde as desigualdades raciais e de gênero também são enormes, a derrota de Kamala é um lembrete dos desafios que lideranças negras e femininas enfrentam. Apesar de o país ter uma maioria negra, essa representatividade ainda é muito limitada nos espaços de poder. Isso reforça a importância de políticas de inclusão e da criação de oportunidades para que líderes diversos não apenas concorram, mas vençam.
De toda forma, temos que considerar que Kamala Harris recebeu o apoio significativo de negros, imigrantes e comunidades que buscam representatividade e justiça social, mas também tem sido alvo de críticas por sua atuação questionável em temas sensíveis, como o conflito em Gaza. Esperava-se que, com sua trajetória e compromisso assumido com os direitos humanos, ela adotasse uma postura mais firme e compassiva em relação à crise humanitária que afeta milhares de civis palestinos.
No entanto, sua posição tem sido vista por muitos como insuficiente diante da gravidade dos acontecimentos, especialmente para aqueles que esperavam uma liderança que priorizasse políticas de paz e proteção aos civis, em vez de apoio irrestrito a políticas militares que resultam em perdas massivas e sofrimento humano. Esse distanciamento entre a expectativa de uma liderança humanitária e a realidade das políticas defendidas acentua o descontentamento de muitos que depositaram nela sua confiança.
A derrota de Kamala Harris levanta duas questões fundamentais: se estamos no caminho por igualdade de gênero e se Kamala representa realmente a mudança que muitos esperam. Embora sua candidatura tenha carregado o simbolismo de uma mulher negra em um dos mais altos cargos da política, é válido questionar até que ponto essa representatividade se traduz em transformação real e profunda. O apoio que recebeu de comunidades negras, imigrantes e outros grupos historicamente marginalizados foi impulsionado pela esperança de uma liderança que desafiasse as estruturas tradicionais de poder.
O fato de Kamala ter seguido algumas das mesmas linhas de ação do establishment político faz pensar se ela é, de fato, a ruptura com o sistema ou apenas mais uma figura adaptada a ele. Afinal, representatividade sem transformação pode ser insuficiente para aqueles que buscam mudanças reais.
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