Cris Guterres

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Opinião

Como ser triste se você fingiu estar bem o ano todo no Instagram?

Você está acompanhando a trend do momento? Aquela do "como ser triste se este ano eu...". Já montou o seu carrossel de fotos? Porque, aparentemente, é isso: pega uns registros de viagens, um café bonito, um sorriso espontâneo (ou ensaiado) e pronto! Está resolvido. Tristeza? Nunca nem vi. Quem precisa processar sentimentos quando se pode jogar um "gratidão, universo" na legenda e chamar de autossuperação?

Só aqui, entre nós, a primeira imagem do meu carrossel será aquele meme da garotinha que sorri enquanto a casa pega fogo ao fundo. Porque sim, eu dou conta, mas é sempre no limite, com um sorriso no feed e a vida em colapso nos bastidores.

Calma, não entre em pânico. Não pense que eu estou deixando de lado todas as conquistas que eu ou você vivemos este ano. Nunca faria isso, eu sei o quão importante é celebrarmos as nossas vitórias, por menor que sejam. Mas a pergunta que me faço é: será que precisamos mesmo fazer parecer que está tudo bem o tempo todo?

Se tem algo que 2024 me ensinou, é que a vida não é só feita de momentos dignos de postagens. Neste ano que aprendi, de verdade, o quanto é importante nomear e identificar os sentimentos. Saber dizer "isso é tristeza", "isso é frustração" ou "isso é exaustão" me ajudou a entender o que eu estava vivendo, sem esconder ou fingir que estava tudo bem. Porque negar emoções não faz com que elas desapareçam, só as deixa acumuladas, esperando o momento certo para voltarem à tona.

Mas a rede digital me mostra que se eu falar dos meus problemas ninguém quer me ouvir. A menos que eu saiba transformar toda dor em uma história de vitória. A ampla aceitação de conteúdos de superação nas redes reflete um desejo coletivo de inspiração e esperança, mas também pode mascarar uma dinâmica problemática: embora essas narrativas sejam poderosas e até necessárias em alguns momentos, elas criam uma expectativa implícita de que qualquer sofrimento só é válido se culminar em um final triunfante, o que não corresponde à realidade da maioria das pessoas.

Essa lógica transforma o ambiente digital em vitrines onde a vulnerabilidade precisa ser cuidadosamente curada e enquadrada para ser "palatável". Você pode falar da sua dor, desde que ela termine com uma lição aprendida, um "tudo valeu a pena" ou uma frase motivacional. E nas comunidades online, onde a comparação silenciosa reina, é proibido sofrer. Entre um carrossel cheio de viagens dos sonhos e fotos de reuniões felizes, parece que ninguém mais tem dias ruins.

Pesquisas sobre positividade tóxica nas redes sociais indicam que essa cultura de felicidade contínua pode levar a uma vida irreal e, em casos extremos, resultar em consequências psicológicas e psiquiátricas graves. Além disso, a exposição constante a vidas "perfeitas" online gera sentimentos de inadequação e baixa autoestima, agravando problemas como ansiedade e depressão. Uma pesquisa da PUC-RS publicada no The Lancet em 2023 revelou que 17% dos brasileiros desenvolverão depressão ao longo da vida.

No último ano, 8,11% preencheram critérios diagnósticos para a doença. Essa pressão para parecer feliz o tempo todo não só intensifica comparações nocivas, mas também mascara emoções reais e importantes e faz do brasileiro o povo com maior índice de depressão da América Latina.

A positividade o tempo todo, essa mania de transformar tudo em mensagem motivacional, é sufocante. Não conseguiu cumprir suas metas? "Pense positivo!" Está exausta? "Gratidão, porque tem gente pior!" Não dá para viver assim, apagando ou ignorando o que nos machuca. A tristeza, a dúvida e até o cansaço têm papéis importantes: são sinais de que algo precisa de cuidado.

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Eu não quero que você desista de fazer o carrossel ou de celebrar suas vitórias. Isso também é parte da vida e merece ser mostrado. Mas quero te convidar a refletir: você tem se permitido sentir tudo? Porque a vida não é só uma sequência de imagens felizes no Instagram. Os dias difíceis, os momentos de pausa e até as lágrimas também contam a sua história.

Felicidade e tristeza não são opostos; elas convivem e se complementam. Ao nomear meus sentimentos, descobri que posso celebrar as conquistas e ainda assim respeitar os dias em que o peso é maior. Isso não me torna menos forte, menos grata ou menos feliz. Isso me torna humana.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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