Brinde ao inacabado: não devo terminar o que começo pra validar as escolhas
E aqui estamos, às portas de um novo ano. Dezembro carrega esse peso de balanço, de fechamento, de resoluções futuras. Parece que o mundo todo se veste de branco e dourado para encenar uma peça onde só a felicidade e as conquistas merecem espaço no palco. E onde ficam as lágrimas, os tropeços, o que ficou pelo caminho? É sobre isso que quero falar hoje: sobre honrar o inacabado.
Mais um ano se passou e, mais uma vez eu me prometi, mas não aprendi a nadar. Iniciei as aulas, comecei a entender a complexidade de aprender a respirar, bater pernas, equilibrar cabeça e mexer os braços, tudo ao mesmo tempo agora e debaixo d'água. E, no meio do caminho, acabei desistindo. O que isso diz sobre mim? Talvez que gosto de mudar de rota, ou que o inacabado me acompanha como uma velha amiga. E está tudo bem. Afinal, quem disse que precisamos terminar tudo o que começamos para validarmos nossas escolhas?
Nos últimos 12 meses, fomos empurrados a sermos produtivos, resilientes, impecáveis. E, em algum momento, todos falhamos. Não terminamos aquele curso, não conseguimos salvar um relacionamento ou, simplesmente, não demos conta de ser fortes o tempo inteiro. Mas eu pergunto: quem disse que falhar é o oposto de viver?
Uma citação clichê de Guimarães Rosa em "Grande Sertão: Veredas" diz que "viver é um rasgar-se e remendar-se." Essa frase carrega uma verdade universal. Viver não é sobre ser perfeito, mas sobre aceitar que somos feitos de rupturas e reconstruções. E este ano, mais do que nunca, entendi que o inacabado carrega uma beleza própria. Ele é a prova de que tentamos, de que estamos em movimento, de que ainda há histórias para escrever.
Eu vivi tristezas profundas em 2024. Algumas dores foram inéditas, outras velhas conhecidas que insistem em reaparecer. Tive que aceitar que algumas feridas levam tempo para cicatrizar, enquanto outras talvez nunca fechem por completo. E quer saber? Está tudo bem. Porque essas dores me ensinaram que a vulnerabilidade é a base da minha existência. Que é preciso coragem para olhar para os meus pedaços quebrados e dizer: "eu ainda estou aqui".
E não é só sobre o individual. É sobre o coletivo também. Sobre um país que carrega feridas históricas que 2024 não conseguiu curar. A violência contra corpos negros, o apagamento de vozes femininas, o cansaço de uma sociedade que parece sempre exigir mais do que podemos dar.
Quantas vezes, ao longo deste ano, me senti impotente diante das notícias que tive que anunciar, diante das histórias que cruzaram o meu caminho? Ainda assim, encontrei força na comunidade, na resistência que compartilhamos. Mesmo quando não conseguimos mudar tudo, seguimos plantando sementes.
E é por isso que, ao invés de encerrar este ano com uma lista de conquistas, quero propor algo diferente: que tal um brinde ao incompleto? Vamos celebrar as pequenas vitórias, as batalhas que ainda não vencemos, os passos incertos que demos na direção do que queremos ser ou do que nem ainda sabemos que queremos. Porque, lendo bell hooks eu entendi que o amor é um ato de vontade, uma escolha de nos comprometermos com a vida e com o nosso crescimento. E honrar o inacabado é, também, um ato de amor por nós mesmos.
Há quem diga que precisamos entrar no ano novo "zerados", com tudo em ordem, tudo limpo. Eu discordo. Acho que a bagagem que carregamos é parte do que nos faz humanos. E ela não precisa nos pesar se aprendermos a acolhê-la. O que ficou inacabado em 2024 não é um fracasso. É uma prova de que o futuro ainda está aberto, cheio de possibilidades.
Então, fecho essa última coluna com um convite: olhe para tudo o que você deixou para trás este ano e encontre ali não um motivo de tristeza, mas um lembrete de que você está em construção. Em 2025 me dê um gole de vida, quero brindar ao inacabado e, sobretudo, a nós.
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