Antes de postar, você pensa se seu filho gostará da exposição no futuro?
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Eu poderia dizer que a primeira foto do meu filho que postei nas redes sociais foi planejada com todo o cuidado, mas a verdade é que foi um reflexo daquele amor que a gente sente e quer gritar para o mundo. A maternidade tem disso: transborda. E, no meio desse transbordamento, esquecemos que o mundo nem sempre é acolhedor.
No começo, ele ficava ansioso por aparecer nas telas. Sou mãe por adoção e quando iniciamos a jornada da maternidade ele já não era mais uma criança. A minha resposta era sempre "não". Eu tinha medo que a exposição pudesse atrapalhar o processo de adoção. Concluída esta etapa, ele passou a ter o próprio celular e a ter seu rosto na minha timeline. Desde sempre, fiz questão de perguntar antes de postar qualquer coisa sobre ele. Que me respondia um "sim" com muito entusiasmo.
Mais recentemente, ele me disse que não queria mais aparecer. Ser reconhecido na rua, que um dia pareceu interessante, deixou de ser. O que antes era motivo de orgulho, um "olha lá o filho dela", passou a ser um incômodo. Ele queria o direito ao anonimato.
Foi um choque sutil, mas importante. Porque mesmo perguntando antes de postar, percebi que a exposição que ele teve ao longo dos anos gerou efeitos que talvez ele nem tivesse como prever quando era mais novo. A internet constrói uma identidade sobre nós, muitas vezes antes que tenhamos chance de decidir quem queremos ser.
E em alguns casos, essa exposição foge completamente do controle da família. Rostos de crianças se tornam memes, figurinhas de WhatsApp, GIFs que circulam sem crédito, sem contexto, sem que ninguém pare para pensar que, do outro lado da tela, existe um indivíduo que pode crescer detestando ser lembrado por uma careta que fez quando tinha quatro anos.
Quem não conhece a garotinha sorrindo enquanto uma casa pega fogo ao fundo, que cresceu e, hoje, vendeu os direitos da imagem para pagar os estudos? Ou ainda a Chloe, a menininha que virou meme por sua expressão de desconfiança. Chloe Clem tem hoje 14 anos e cresceu sob o impacto de uma exposição que começou quando ela tinha apenas dois.
Em entrevista recente, sua mãe, Katie Clem, revelou sentir culpa pela fama repentina da filha e pela forma como sua imagem viralizou sem que Chloe tivesse qualquer controle sobre isso. Embora a família tenha lucrado com a popularidade do meme, a adolescente já expressou desconforto com o fato de sua expressão continuar circulando na internet anos depois.
A história escancara um dilema da era digital: o que parece só um momento engraçado pode se tornar a identidade pública de uma criança por toda a vida.
Agora, imagine quando essa exposição ultrapassa a barreira do meme e entra em um território ainda mais perigoso. Vídeos de crianças dançando inocentemente ou tomando banho, que para os pais podem parecer apenas registros carinhosos da infância, acabam sendo salvos e compartilhados em grupos criminosos, transformados em conteúdo de cunho sexual.
Especialistas alertam que imagens de crianças postadas sem qualquer malícia pelos responsáveis muitas vezes acabam em fóruns de pedofilia, onde são editadas e usadas de maneira perturbadora. O que para uma família pode ser só um momento fofo, para predadores é um material explorável. E, uma vez na internet, esse tipo de imagem dificilmente desaparece.
Se nem Chloe, que apenas fez uma cara engraçada, conseguiu escapar das garras da viralização, o que dizer de crianças expostas em situações ainda mais vulneráveis?
A internet não é um ambiente seguro para crianças e adolescentes, e a inocência dos pais não protege seus filhos dos perigos do mundo digital. O que hoje parece apenas uma dancinha fofa pode, amanhã, ser um vídeo compartilhado em grupos que nenhuma mãe ou pai gostaria que existissem.
Hoje, Rafa tem 20 anos e tem sua própria relação com o digital. Se fosse hoje, será que eu teria compartilhado tanto? Será que eu teria feito diferente? Talvez. Talvez eu tivesse esperado mais para tornar algumas memórias públicas. Ou talvez tivesse refletido mais sobre as consequências a longo prazo.
Porque a verdade é que nossos filhos não são nossos, eles são deles mesmos. E a era digital trouxe uma nova camada para essa discussão. Se, por um lado, a gente quer celebrar cada fase da infância, por outro, é preciso lembrar que a internet tem uma memória longa e que uma foto, um vídeo ou uma piada de hoje podem ser um incômodo, ou um problema, para eles no futuro.
Talvez a pergunta não seja apenas "eu devo postar?", mas sim: "meu filho, no futuro, gostaria que eu tivesse postado?"
1 comentário
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Wagner de Campos Junior
Texto lindíssimo, emoção maternal e educativo, por excelência! Tema oportuno para aula inaugural em nossas escolas no primeiro encontro com a família. Educar é postar o futuro de nossos filhos. Descobrimos a tecnologia... mas nós nos tornamos escravos dela e isso só fez aumentar nossos desejos, insatisfação e necessidades. O texto é um alerta, uma bíblia para a família. O mundo deseduca, tem recursos e estratégias mil para escravizar nossos rebentos. Obrigado por este testemunho. Alerta, pois!