Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Palhaça humilha homens em peça e vira fenômeno de público
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Quando a peça "King Kong Fran" passou por São Paulo, em junho, os 900 ingressos à venda para as quatro apresentações se esgotaram em três minutos.
Era a confirmação do fenômeno visto no Rio de Janeiro: na cidade da atriz Rafaela Azevedo, 12 mil pessoas assistiram ao espetáculo —que não teve patrocínio e foi feito por financiamento coletivo— em seis meses. Nesta semana, os ingressos para uma única apresentação marcada para o fim de julho em Belo Horizonte se esgotaram em menos de uma hora.
As plateias lotadas e majoritariamente femininas recebem o trabalho com gritos, gargalhadas e lágrimas. Já os homens (hétero), levados até ali por curiosidade ou incentivo das companheiras, se encolhem constrangidos. Com toda razão.
Fran, alter ego da roteirista e palhaça Rafaela, dá a eles o veneno que nós tomamos desde que nascemos.
Cínica, charmosa e sedutora, ela vive num mundo em que mulheres dominam, transformando homens em objetos de desejo e motivo de chacota. Como acontece no mundo real, só que ao contrário.
O humor da palhaça escancara e inverte situações abusivas —sexuais e morais— que a protagonista já enfrentou. A misoginia no seu meio, historicamente dominado por homens, a fez romper com as tradições e buscar as suas próprias palhaçadas.
Como Rafaela/Fran diz, ela usa o humor para se comunicar com seu maior inimigo. E uma das armas é o ponto mais sensível dos homens: ela entra no palco empunhando um microfone em formato de pênis, mas um pênis de quase 40 cm. O sexo deles é o brinquedo dela.
Encarando a plateia, fantasiada de gorila, ela busca os machos com o olhar. E vai chegando perto, assertiva: quer ver se a roupa está marcando o que eles têm no meio das pernas. Se podem sentar perto um do outro. Se podem se acariciar. Ela gosta de ver os homens se beijando, se pegando. No limite, os subjuga para sentirem um pouco da violência que enfrentamos.
A quem acusa Rafaela/Fran de misandria, o ódio contra homens, ela explica que essa é uma falsa equivalência usada por quem não quer perder seus privilégios.
"Misandria não existe, não se equivale à misoginia. Por isso é humor. A misoginia existe, mulheres morrem diariamente apenas por serem mulheres", responde a atriz. "A gente sofre violência psíquica, emocional, física. Posso ser a maior palhaça, a atriz mais renomada, sempre vai ter um homem para me lembrar que eu sou uma mulher fazendo isso."
Contra essas violências todas, o alter ego de Rafaela não reclama nem briga. "A gente só brinca de se colocar no centro, que é um lugar dado aos homens desde sempre. Então recebo muito feedback de mulheres que estavam carentes desse tipo de representatividade."
Fran fala de violência, mas não do lugar de vítima do machismo. "E nem no lugar da boazinha, da grande mãe ou da deusa, que não pode errar. A Fran se deu o direito de ser humana. Ser palhaça é ser humana. Sinto que as mulheres respiram aliviadas porque a gente não precisa ser idealizada e nem atacada. Podemos simplesmente ser respeitadas."
Enquanto a Fran se prepara para voltar a São Paulo no segundo semestre e rodar outras cidades do país, sua criadora quer ir ainda mais longe.
Contra a ideia de rivalidade feminina ou de que um próximo fenômeno substituirá Fran e levará o assunto embora, Rafaela juntará forças com outra atriz que faz sucesso nas redes com um trabalho parecido.
Claudia Campolina, autora da websérie "Mundo invertido", também usa a comédia para se colocar no centro e debochar das situações machistas. No mundo criado por ela, são as mulheres que usam os homens, traem, descartam "pingolas desgastadas" e que assediam funcionários.
"Sou fã dela. Fazemos um trabalho semelhante, é bom que a gente se una", afirma Rafaela. "Queremos levar o 'Mundo Invertido' da Claudia Campolina para o teatro. E vou com todo prazer e honra fazer parte da equipe criativa, na direção e na dramaturgia, ao lado dela."
Como diz Rafaela, a Fran é "uma pedrinha jogada no rio". "Pra reverberar, a gente precisa de novas referências. Ela é uma possibilidade de nova construção de personagem e de personalidade feminina."
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