Cristina Fibe

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Mulher que denuncia ódio nas redes é suspensa, mas haters permanecem lá

Semana sim, outra também, perfis de feministas que combatem o ódio às mulheres recebem ameaças e ataques digitais, muitas vezes coordenados.

No momento em que escrevo, está suspenso o perfil oficial da atriz Rafaela Azevedo, protagonista do sucesso "King Kong Fran", no Instagram, onde chegava a alcançar 3 milhões de contas numa postagem. Não é a primeira vez que ela é retirada da rede pelo trabalho que faz — escancarar, com deboche, as violências cometidas por homens contra as mulheres.

A suspensão tem efeito prático sobre o trabalho de Rafaela, já que é ali o principal canal para a venda de seu espetáculo, famoso pelas apresentações lotadas. Sem falar no extenso acervo de vídeos e fotos que, quando a conta é retirada do ar, desaparece.

Rafaela não está sozinha. Outras comunicadoras antimisoginia, como as atrizes Claudia Campolina e Anaterra Oliveira, já expuseram ataques que receberam apenas por colocar o dedo na ferida machista.

Quem não se lembra da ameaça de morte feita por um masculinista "redpiller" à comediante Livia La Gatto? O sujeito, alvo de medidas cautelares depois que a atriz procurou a Justiça, ainda está lá, com centenas de milhares de seguidores, na mesma plataforma da qual Rafaela está suspensa.

O embate via redes sociais é só uma das faces da violência de gênero em terreno digital.

No livro "Misoginia na internet: uma década de disputas por direitos" (ed. Fósforo), a advogada e pesquisadora Mariana Valente, diretora do InternetLab, procura traçar um diagnóstico do problema, ainda que não haja estatísticas oficiais suficientes para dimensioná-lo.

Nas palavras da autora —que lança a obra hoje (17/8) em São Paulo (às 19h, na Livraria Tamarindo) e no próximo dia 22 no Rio de Janeiro —, "a misoginia on-line se coloca como obstáculo entre as mulheres e os potenciais da comunicação, distribuição da informação e expressão pela internet".

A autora lembra casos de violência que ultrapassaram a barreira cibernética e tiveram consequências bem palpáveis nas vidas das vítimas, como o vazamento de fotos íntimas que motivou a aprovação da Lei Carolina Dieckmann (2012), contra a invasão de dispositivos digitais.

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A pesquisadora ressalta que a criação de mecanismos legais não é suficiente para resolver a "escalada de estratégias misóginas de silenciamento". A experiência de Valente mostra que as delegacias da mulher estão bem equipadas para lidar com a violência física, mas não para investigar atos on-line. De outro lado, as delegacias de crimes cibernéticos carecem de experiência de combate a crimes de gênero.

Ou seja, não basta criar leis que penalizem a misoginia na internet. Embora o livro de Mariana Valente as tenha como foco, sua conclusão é que a penalização é insuficiente, embora muitas vezes necessária.

Ela propõe que as discussões feministas sobre o tema sejam integradas às discussões sobre políticas de internet, como o combate à desinformação. Isso porque, como demonstram as atrizes citadas no início do texto, conforme cresce a visibilidade das pautas feministas, cresce também a reação de ódio a elas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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