Julgamento de TikTok: série mostra que Amber Heard x Depp não teve justiça
A violência de gênero tem uma peculiaridade. Mesmo quando acontece em frente às câmeras, há quem questione se o ato foi criminoso, se a vítima poderia ter feito algo para evitar a situação.
Pra ficar num exemplo recente, vamos ao beijo forçado do espanhol Luis Rubiales na boca da jogadora Jenni Hermoso. Muita gente se manifestou publicamente para defender que foi só uma brincadeira, uma demonstração inofensiva de afeto. Nem ele parece ter entendido a gravidade do que cometeu.
O que o presidente da Federação Espanhola de Futebol fez foi submeter a atleta a um ato íntimo, não consentido e forçado, deixando uma mulher em posição hierárquica inferior sem tempo nem capacidade de reação. Ainda assim, há quem entenda que a postura dela atesta que não houve crime, mas um ato de "máxima efusividade", expressão usada por Rubiales num vazio pedido de desculpas.
Quando a violência acontece entre quatro paredes, numa relação intima, fica mais difícil ainda comprovar o crime. É palavra contra palavra, e historicamente a da mulher tem menos força.
Ainda hoje, o caso Johnny Depp versus Amber Heard alimenta debates acalorados de gente que pensa saber tudo o que aconteceu entre os dois. Gente, é claro, que comprou a narrativa de que a atriz, com quase metade da idade e um décimo da popularidade do astro, é uma louca-aproveitadora-bipolar-mentirosa.
Essa narrativa, cuidadosamente construída pela equipe de advogados de Depp, convenceu o júri popular americano encarregado de decidir se a atriz dizia a verdade ao se colocar como sobrevivente de violência doméstica, em um texto publicado em 2018 no "Washington Post".
Há um ano, o julgamento televisionado escancarou a intimidade do ex-casal e colocou Amber no alvo do ódio de milhões de fãs de Depp. Uma série documental lançada agora pela Netflix reconstrói os depoimentos, as principais polêmicas e o caminho até o veredito.
Em três episódios, "Johnny Depp x Amber Heard" desenha o que estava na nossa cara o tempo todo: o "julgamento de TikTok" não foi equilibrado e nem justo com a atriz. Segundo o seu depoimento, corroborado por testemunhas, áudios, vídeos e mensagens de texto, Amber foi vítima de violência física, psicológica, moral e sexual.
Estivesse ela dizendo a verdade ou não, fato é que cada fala sua virava motivo de deboche nas redes sociais. Ameaçada de morte, acuada, a atriz chegava ao tribunal sob vaias, enquanto Depp era recebido por centenas de fãs fanáticos.
O júri, como aponta a série, não ficou isolado — apesar da recomendação de não olhar as redes sociais, eles voltavam para casa com seus celulares, absorvendo o que a opinião pública estava propagandeando. Ele é vítima, ela é abusadora.
Essa troca de posições tem nome: DARVO. A sigla, em inglês, quer dizer "negar, atacar e reverter vítima e agressor". Como apontam especialistas, a técnica tende a colar melhor em júris populares, já que juízes com mais experiência e perspectiva de gênero percebem o método.
Não à toa, Depp já tinha perdido um processo equivalente, no Reino Unido, em 2020. Lá, ele entrou com uma ação contra o jornal "The Sun" por chamá-lo de "espancador de esposa" ("wife beater"). E perdeu. Para a Justiça britânica, há provas de que Amber foi vítima de violência doméstica e de que o ator é, sim, um agressor de mulheres.
Mundialmente, porém, prevalece a narrativa de que a atriz é mentirosa. Pior: vendo a eficácia da tática, agressores a copiam pelos quatro cantos do mundo. Inclusive na Espanha. E no Brasil. Não é coincidência, é estratégia.
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