Cristina Fibe

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Opinião

Homens como Brennand e Evandro Guedes consideram as mulheres seres menores

Thiago Brennand não é um psicopata. Evandro Guedes não é um monstro. O policial militar que matou a própria esposa a tiros no meio da rua não é uma exceção.

Os três são só alguns exemplos de homens que consideram as mulheres seres menores. Indignas de respeito na vida e na morte. Homens, infelizmente, comuns.

Nesta semana, o UOL estreou uma série de reportagens que revelam detalhes das violências de que o milionário pernambucano Brennand é acusado. Segundo o relato de uma vítima que o denunciou por estupro, agressão e cárcere privado, depois de violentá-la o empresário disse que ela merecia tudo aquilo, porque "é um rato, uma puta, não presta, igual a todas as outras mulheres".

"Você é um rato." "Igual a todas as outras."

Os áudios obtidos pelos jornalistas Mateus Araújo e Juliana Sayuri ajudam a entender o modus operandi do acusado, mas também mostram o que passa na cabeça de um homem que nutre ódio e desprezo pelas mulheres.

Para esses agressores, de estupradores a feminicidas, eles estão a exercer um direito, e não a cometer crimes. Por isso o fazem na frente de funcionários da casa, diante de usuários de uma academia, no meio da rua, no centro espiritual mais popular do país. Por isso dão aulas de como violar nossos corpos. Por isso nos violentam no consultório médico, na sala de cirurgia ou no necrotério.

As mulheres, para esses homens, são bichos. Em seu depoimento, a produtora que denunciou Brennand conta que ele a levou ao banheiro depois de agredi-la e estuprá-la. Chamou a funcionária pra ver tudo. E disse: "Olha como você chegou, o brilho que você tinha, olha o que você é agora. (?) Olha a bichinha, olha como ela tá, a bichinha". A funcionária olhava, sem dizer nada. Ele tinha armas em sua mansão e um PM como segurança.

Os repórteres se perguntam: até onde vai a impunidade de um milionário? Eles tiveram acessos a casos de quase 20 anos atrás, que passaram despercebidos pela Justiça.

Hoje, se completam cinco anos da publicação na imprensa das denúncias contra João Teixeira de Faria, o João de Deus. Desde então, ele foi afastado da Casa de Dom Inácio de Loyola, denunciado por mais de 300 ex-fiéis e condenado a quase cinco séculos de prisão.

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A defesa recorre das sentenças, e ele segue negando todos os crimes. Está em prisão domiciliar, em uma de suas mansões, e o centro espiritual, local dos crimes, segue em funcionamento. Nada o impede de receber os ganhos financeiros vindos de Abadiânia ou mesmo de tratar pessoas em sua casa. Muita gente ainda o defende, afirmando que, na verdade, eram as mulheres as assediadoras do autointitulado médium, vítima de um grande complô.

Esse argumento — um acinte diante das condenações por estupro de vulnerável, um crime hediondo — é mais um atestado do valor que uma sociedade machista dá às mulheres.

Outra reportagem do UOL, publicada ontem, confirma o quanto ainda estamos expostas e muito distantes de conter esses crimes.

Uma cartilha do Conselho Regional de Medicina de São Paulo sobre "Ética em Ginecologia e Obstetrícia" menciona o "comportamento sedutor da paciente" no capítulo sobre assédio sexual.

No lugar de condenar a prática sem espaço para culpar as vítimas, afirma que a mulher poderia sentir "desejo de vingança" provocado pela "decepção", a partir da relação com o profissional, "com consentimento ou até por iniciativa da própria".

Os repórteres Adriana Negreiros e Marcos Candido revelam também que, por semana, dois médicos são denunciados por assédio sexual em São Paulo. As denúncias, feitas ao mesmo Cremesp que recomenda aos médicos terem cuidado com o poder de sedução das pacientes, passam impunes, em sua maioria. Das 85 acusações feitas em 2023, só seis evoluíram para um processo contra os envolvidos.

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O que a cartilha e a falta de investigação nos dizem está presente no discurso mais violento e escancarado de quem propaga o ódio às mulheres: não prestam, são todas iguais. Somos ratos, indignos de respeito, na vida e na morte.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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