Cristina Fibe

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Opinião

Licença-paternidade menor impacta no acesso da mulher a trabalho e poder

A desigualdade de gênero vem de berço, sustentada pela própria legislação brasileira. Para não parecer que digo isso por ser mulher, citarei um homem para explicar meu ponto.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta semana que "a radical diferença entre os prazos atuais da licença-maternidade e paternidade produz impactos negativos e desproporcionais sobre a igualdade de gênero e sobre os direitos das crianças".

Ao julgar os 35 anos de inércia do nosso Poder Legislativo — que se esquiva desde 1988 da elaboração de uma lei definindo um tempo mais adequado para a licença-paternidade do que os risíveis cinco dias —, o STF associou corretamente essa omissão ao enorme desequilíbrio que ela vem causando.

A começar pela nossa presença no mercado de trabalho: mulheres sofrem retaliações o tempo todo, por serem mães ou pela possibilidade de engravidar.

Muitas vezes deixam de ser contratadas por estarem em idade fértil, para a empresa não correr o risco da sua ausência por no mínimo 120 dias. Não raro, voltam da licença-maternidade para vagas piores, horários mais sacrificados, possibilidades nulas de promoção. Precisam mostrar trabalho e provar que a dedicação aos filhos não diminui sua produtividade.

Os obstáculos que o mercado de trabalho coloca no caminho da mulher e da mãe geram impacto desproporcional em suas carreiras, em sua independência, em sua sanidade e na educação que meninos e meninas recebem.

Também diminuem as possibilidades de abrir caminhos na política ou no mesmo STF a quem coube julgar a omissão do Legislativo nesse tema: quando é aberta uma nova vaga na mais alta Corte do país, alega-se que não existem mulheres qualificadas o suficiente no círculo de confiança do presidente da República. Mais difícil ainda é o espaço para mulheres negras, sobre quem recaem majoritariamente os trabalhos do cuidado e a maternidade solo no Brasil.

O desequilíbrio de gênero nos espaços de poder faz com que os homens legislem e julguem temas referentes às mulheres, ao corpo feminino e à nossa liberdade. É por isso que, em 2023, ainda temos uma legislação que criminaliza e encarcera mulheres que, por qualquer razão — inclusive para evitar perder o emprego e a renda —, optam por não levar adiante uma gravidez não planejada.

Mas a descriminalização do aborto é um tabu tão grande que candidatos a cargos públicos o evitam — a defesa dessa bandeira tira muito mais votos do que fazer apologia à violência contra a mulher. Misoginia aumenta a popularidade, a defesa dos direitos das mulheres é o antimarketing político.

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Por isso é tão grande o peso de uma personalidade como a apresentadora Angélica dizer em rede nacional ser a favor de a mulher ter escolha sobre o seu corpo. "Ela tem que poder decidir isso", respondeu, no programa "Roda Viva", ao ser questionada pela jornalista Maria Rita Alonso sobre o seu posicionamento em relação à criminalização do aborto.

"Tem muita menina que deixa de estudar... A vida para ali, porque aconteceu uma situação, e ela tem que poder decidir. Essa é uma decisão que cada vez mais as mulheres têm que poder tomar. É polemico, mas eu acho que é assim que tem que ser."

Em outro momento da entrevista, Angélica comenta a possibilidade de seu marido, Luciano Huck, se candidatar à presidência, e diz que respeita a sua decisão, porque o apresentador é um ser político, coisa que ela não é.

No "Roda Viva", porém, ela foi. Mesmo de forma acanhada e pedindo licença, mulheres feministas são seres políticos, que sabem que a busca por igualdade de direitos entre homens e mulheres passa pela licença-paternidade maior e pela descriminalização do aborto. Podemos fazer isso, inclusive, enquanto voamos de primeira classe.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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