Cristina Fibe

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Opinião

Tiro no pé: os sete erros da exposição da vítima de Daniel Alves

Minha primeira coluna do ano. Descansei na virada e estava decidida a escrever sobre os comportamentos das famílias tradicionais num hotel do interior de São Paulo.

As violências escondidas por trás da mãe ensinando as filhas a passar protetor no pai, que pega sua cerveja e se estica na espreguiçadeira, enquanto ela vira brinquedo das meninas na piscina.

Pais que aproveitam as estradas de terra para ensinar seus moleques a dirigir. Homens que batem na mesa e gritam que são eles que mandam nas mulheres ali, almoçando com seus bebês a tiracolo.

As cortesias do pacote turístico que só estão disponíveis para as casadas. Duas noites grátis, se você ostentar um marido. Caso se divorcie, a cortesia cai pela metade: uma noite. Para a mulher que nunca se casou, nem isso.

Mas aí aconteceu o Daniel Alves. E a exposição orquestrada da espanhola que o denunciou por estupro numa boate de Barcelona.

Às vésperas do aniversário de um ano da prisão do jogador, e à beira de seu julgamento, marcado para acontecer entre 5 e 7 de fevereiro, a divulgação da identidade da vítima pretende comover a opinião pública a favor do réu.

O objetivo do post, espalhado por aí para quem quiser ver, é colocar um alvo na cabeça dela. A mensagem de um minuto, feita de fotos e vídeos da garota de 24 anos se divertindo, está clara: ela mente sobre as consequências do trauma, é uma oportunista, e fez uma falsa acusação contra o jogador de 40 anos, em busca de fama.

O "reels", divulgado pela mãe e pelo irmão do réu e replicado por contas favoráveis a ele, é um desserviço às vítimas de violência sexual e pode ser um tiro no pé do jogador.

Os erros dessa estratégia, antiga e ultrapassada, são muitos, mas pelo jeito ainda é preciso apontá-los. Separei sete, para resumir:

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1. Quebra de sigilo: segundo o jornal espanhol "El Periódico", a vítima vai processar quem divulgar as imagens, que violam decisão judicial proibindo o vazamento de seus dados.

2. Violência psicológica e revitimização: além de constranger a jovem, o vídeo gera um efeito cascata de ataques a ela, exposta como uma oportunista mentirosa.

3. A busca pela fama: a espanhola nunca falou sobre o crime publicamente e procurou proteger sua identidade, até a família do próprio jogador divulgar o seu nome. Ela não quis ficar conhecida atrelando o seu rosto a uma violência sexual.

4. Invasão de privacidade: para atacá-la, fotos e vídeos foram extraídos, sem autorização, das redes sociais da espanhola e de pessoas próximas a ela.

5. Imagens antigas: ainda de acordo com o "El Periódico", algumas das imagens usadas no vídeo difamatório são de anos antes do crime, de quando ela era menor de idade.

6. "Ela não está deprimida": afirmar que a jovem não poderia se divertir no ano que se seguiu ao crime reafirma o poder que o violador quer ter sobre a sua presa, não basta estuprar, precisa acabar com a vida dela depois.

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7. O estereótipo da vítima: a base do "reels" é a ideia de que a garota que se vê naquele recorte não combina com a imagem de uma mulher abusada. Para quem acredita nisso, há uma "vítima ideal", e quem não se encaixa nesse papel está mentindo.

Os altos índices de violência contra a mulher provam que não existe padrão: qualquer uma pode ser vítima —e um homem carismático e bem-sucedido pode ser um abusador.

Acreditar em estereótipos é cair na armadilha de desacreditar e silenciar mulheres. A violência está por toda parte, até nas famílias perfeitas aproveitando as férias de verão. Até nos ritos religiosos, onde o "não" da mulher também deveria ser protegido pela lei.

Temos um 2024 inteiro pela frente para corrigir essas distorções. Feliz ano novo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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