Cristina Fibe

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Opinião

São Camilo nega DIU, mas o que dizem os papas sobre métodos contraceptivos?

O Hospital São Camilo, uma rede com quatro unidades em São Paulo, me ajudou a entender o quanto nós mulheres ainda somos violadas no nosso direito à saúde reprodutiva e ao planejamento familiar. É 2024, mas podia ser 1968.

Me lembrei que eu já tinha passado dos 40 anos quando cogitei colocar um DIU. Precisei de uma hora de aula sobre os prós e contras desse método e me senti a maior das ignorantes. Como eu tinha chegado até aqui sem saber de tudo isso?

Nesta semana, eu entendi.

Quando eu era uma jovem em início de vida sexual, fui a um ginecologista (homem) saber o que eu deveria fazer pra me proteger. Saí de lá com a indicação da pílula anticoncepcional. Ele me recomendou uma marca que seria das mais leves, não me afetaria em nada. Nem me explicou que outras opções eu teria — além, claro, da também necessária camisinha.

E então eu, que ainda nem era uma adulta muito responsável, saí do consultório com a incumbência de me lembrar de tomar aquele troço todos os dias. Teria que comprar uma caixa por mês — hoje, ela custa em torno de R$ 45 — e, se algo não planejado acontecesse, seria minha culpa. Quantos homens já não disseram a frase: "Mas você disse que estava tomando pílula!", jogando na parceira a responsabilidade pela gravidez indesejada?

Eu, obcecada por não passar por isso, quase nunca esqueci de tomar a pílula. Casei cedo e fiquei com a função de evitar engravidar fora de hora. Mais de uma década depois, quando decidi parar o remédio, é que fui entender tudo o que ele estava me causando.

Ao sentir como era o meu corpo sem os efeitos da pílula, tive ódio do médico que não me avisou que, por exemplo, ela me deixaria inchada e com menos libido. Que me impediria de sentir as mudanças naturais durante os ciclos menstruais, e que deixaria o meu útero ali, meio fingindo que não existia.

Pode ser que, sabendo disso, eu optasse por ela mesmo assim. Só que não me deram alternativa. Eu tive a minha aula de DIU tarde demais.

A recusa do hospital em colocar o dispositivo intrauterino em suas pacientes é a ponta escancarada de um iceberg de desinformação e cerceamento dos nossos direitos.

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Como a justificativa para tamanha ignorância foi o lastro católico da instituição, fui procurar o que os papas vêm dizendo sobre os métodos contraceptivos, imaginando se lá no São Camilo os médicos também aconselham os homens a ficar longe da camisinha.

Em 2016, em meio à epidemia de zika, o papa Francisco indicou que a Igreja poderia flexibilizar as restrições aos anticoncepcionais. Em conversa com jornalistas, ele afirmou, há oito anos, que "evitar uma gravidez não é um mal absoluto".

Segundo uma reportagem de "O Globo" publicada naquele ano, Francisco lembrou que o papa Paulo 6° já tinha admitido uso de contraceptivos para freiras que viviam em regiões da África com muitos casos de estupro.

O mesmo papa havia antes condenado métodos como preservativos e pílulas, numa encíclica assinada em 1968. Na carta, ele dizia "recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada".

Não precisa ser ateu ou herege para saber que não são os métodos contraceptivos que causam o desrespeito dos homens pelas mulheres. Esse "instrumento de prazer egoísta" antecede em muito a existência do DIU. Dar às pessoas com útero as ferramentas para se proteger e se planejar é o que significa, de fato, respeito e amor. Como pedia o próprio São Camilo: mais coração nas mãos. O resto é hipocrisia, controle e demonstração de poder.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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