Abrigos só pra mulheres e crianças no RS: a que ponto chegamos?
A gente tem um bocado de leis pra proteger a mulher no Brasil. Lei de importunação sexual, de stalking, de violência doméstica, de invasão digital.
E, mesmo assim, os números de crianças e mulheres violentadas e assassinadas não diminui. Apesar das leis, não temos a nossa segurança garantida nem numa situação de catástrofe humanitária como o alagamento do Rio Grande do Sul.
De forma emergencial, se criam abrigos para separar crianças e mulheres dos homens — um dispositivo quase escolar, quando já não resta outro recurso. Onde não for possível o espaço exclusivo, elas que percam o sono para a vigília.
Numa entrevista ao ICL, a socióloga Janja, companheira do presidente da República, sugeriu que homens solteiros tenham abrigos exclusivos para si, de forma que os núcleos familiares fiquem juntos.
Essa iniciativa ignora o fato de que os primeiros presos por abuso no Rio Grande do Sul, segundo a Brigada Militar, eram homens "de família", que já violentavam as mesmas crianças ou mulheres dentro da própria casa. Ignora os próprios índices de violência contra a mulher, que mostram que boa parte desses crimes são cometidos por homens já conhecidos das vítimas, como maridos e até pais. Homens solteiros não são o único sinal de perigo.
Numa provocação recente feita por uma americana numa rede social, ela dizia de forma enfática que, se estivesse sozinha numa floresta, preferia se deparar com um urso do que com um homem. O post viralizou, e milhares de mulheres concordaram. Pra gente, é quase óbvio — e pra eles, quase impossível de comprender.
Os homens não entendem que a maioria de nós prefere ser morta e dilacerada por um urso — ou ter alguma chance de lutar e escapar deles — do que lidar com o inegociável, que é ser dominada, estuprada e dilacerada por um ser humano.
E a nossa única chance pra resolver isso é pela educação e pela distribuição equilibrada de poder.
Não adiantam leis se a palavra da mulher é descartada no tribunal. Não adianta ter o recurso de ir à polícia, se nas delegacias a vitima corre o risco de ser humilhada ou abusada de novo.
O recurso de separar os corpos ou vigiar 24 horas é necessário, mas é paliativo. É incapaz de garantir a segurança de todas. Homens abusadores são hábeis e determinados, em algum momento você estará exposta.
Vagões exclusivos no metrô, acompanhante no hospital, localizador no telefone, gravação do diálogo no Uber — de quantas soluções assim precisaremos? Quantas soluções que, pra garantir a nossa segurança, acabam nos impondo ainda mais restrições?
Eu quero ser livre pra entrar em qualquer vagão. Ir ao hospital sozinha, sem depender de ninguém. Pegar um táxi e não ficar olhando o GPS, com medo de ele desviar do caminho e me levar pra um lugar escuro. Caminhar pelas ruas nos mesmos horários que os homens podem caminhar. Fazer as mesmas coisas, sem sentir o peso nas pernas por andar acelerado, o tremor no peito, a respiração ofegante. Sem implorar baixinho pra aparecer um urso, em vez de um homem.
Pra isso mudar, não existe atalho. A violência contra a mulher é um crime de dominação, não tem nada a ver com impulso ou necessidades sexuais. Por isso precisamos superar a ideia de uma sociedade em que os homens têm o poder e os corpos das mulheres valem menos. E só podemos fazer isso pela educação. Enquanto isso, nenhuma lei vai dar conta de nos proteger.
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