Cristina Fibe

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Opinião

Retrocesso ultraconservador não se preocupa com fetos, mas com votos

Neste momento, uma menina de 12 anos está sendo estuprada num abrigo do Rio Grande do Sul. Ou em São Paulo, dentro de casa. Ou numa comunidade indígena distante de assistência hospitalar e policial. Ou as três coisas, num espaço de poucos minutos.

É isso que os dados de violência sexual no Brasil mostram. Num país que, segundo estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), chega a ter dois estupros por minuto, as principais vítimas são crianças de até 13 anos. E a maior parte delas é estuprada dentro de casa, por um familiar.

Agora imagina que aquela menina de 12 anos, estuprada no abrigo, descubra daqui a três ou quatro meses que ficou grávida do agressor. Ela leva dentro da barriga um embrião fruto da maior violência que já sofreu. E a manutenção dessa gravidez coloca a sua própria vida em risco.

Sim, a menina pode morrer, porque o seu corpo não está pronto pra parir. Pra proteger a vida dessa criança, é preciso garantir a ela um direito previsto por lei: a interrupção da gestação.

Como foi o pai dela que a estuprou, ele a impede de buscar ajuda. Tem medo de a menina procurar a polícia ou o hospital e o crime dele ser descoberto. Quando ela consegue fugir, é atendida por um médico que se recusa a dar assistência, e começa um périplo em busca do aborto legal.

As semanas vão se passando, e ela é submetida a outras violências, como ser obrigada a ouvir o batimento cardíaco do feto ou ver ilustrações do seu desenvolvimento, mês a mês.

Quando finalmente acha que vai conseguir fazer o procedimento, a gestação já passou das 20 semanas, e o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é a assistolia fetal.

A partir desse momento, ela não consegue mais encontrar um médico que faça o que ela precisa, já que o procedimento chegou a ser proibido pelo Conselho Federal de Medicina — em norma derrubada na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal.

Essa menina é obrigada a levar a gravidez a termo, e corre o risco de morrer no parto.

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Estou falando de um cenário hipotético, mas nada improvável.

Após a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a perseguição a médicos que garantam o direito ao aborto, um deputado federal protagonizou uma das cenas mais violentas e deploráveis já vistas no Congresso.

Na tentativa de apavorar gestantes vítimas de estupro e jogar para a torcida ultraconservadora, o tal deputado usou bonecos de plástico para simular o que seria o aborto por assistolia fetal. Mas, médico que disse ser, não explicou o que pode levar uma menina estuprada à morte, num parto arriscado.

Sob o argumento de estar preocupado com a vida, o parlamentar negligencia todas as vitimas de estupro que engravidam e precisam ter o seu direito ao aborto garantido. Pra ele, a vida delas vale menos.

Menos ainda do que os votos que ele tenta conquistar com a cena em que defende um direito a menos para as meninas e mulheres. Será que ele faz isso pelo feto? Ou pelo recorte na rede social?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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